A pequena ilha de Yap, na Micronésia, no oceano Pacífico, conta com um único voo diário sobre as florestas fechadas, pântanos, lagoas de água salgada e um emaranhado de manguezais, cercados por recifes de corais. Mas o que causa mais fascínio não é o cenário paradisíaco, tampouco a saudação das yapesas, com sua tradicional saia florida no aeroporto. É quando você fica cara a cara com o dinheiro de pedra (gigante). São centenas de rochas em formato de discos, do tamanho de seres humanos, espalhadas por toda a ilha. Podem ser encontradas fora dos poucos hotéis da região, enfileiradas perto da praia ou nas profundezas das florestas. Cada aldeia ainda tem um banco de pedras a céu aberto, onde peças que são muito pesadas para serem transportadas ficam expostas no malal (espaço para danças).
As pedras com valor monetário “circulam” há vários séculos na ilha, embora ninguém tenha certeza de quando a prática começou. O que se sabe é que cada rocha é diferente da outra, e são tão densas em significado quanto em volume de calcário, extraído pelos yapesesde Palau, país insular localizado 400 quilômetros ao sudoeste de Yap. As primeiras peças eram usadas para presentear e tinham a forma de uma baleia — por isso, eram chamadas de rai. Mas evoluíram até se converterem em moeda, com formato circular e um buraco no centro, para facilitar o transporte pelos oceanos.
O fato é que Yap não tinha rochas resistentes nem metais preciosos para fazer moedas. Mas contava com marinheiros experientes que faziam a travessia até Palau – em jangadas de bambu e, mais tarde, em escunas – para extrair calcário de suas pedreiras. Inicialmente, as moedas eram pequenas. Mas, à medida que as técnicas se aperfeiçoaram, foram ficando cada vez maiores, chegando a ultrapassar o tamanho das pessoas que as esculpiam. Quando as ferramentas de metal foram introduzidas pelos comerciantes europeus, no fim do século 19, a extração de pedras ficou mais fácil. Relatos da década de 1880 sugerem que apenas na pedreira de Koror, em Palau, havia 400 homens yapeses trabalhando – uma parcela significativa da população, que girava em torno de 7 mil pessoas na época.
Ao voltar de Palau, os marinheiros entregavam o dinheiro de pedra aos chefes das diferentes aldeias, que se reuniam para dar as boas-vindas aos navegantes e às rochas. Os líderes das tribos ficavam com as maiores, além de dois quintos das menores. Eles também davam nomes às pedras — muitas vezes seu próprio nome ou de parentes. E confirmavam a autenticidade das mesmas, conferindo às peças um valor baseado em um sistema monetário ainda mais antigo: yar (dinheiro de concha de pérola). Depois disso, poderiam entrar em circulação e ser compradas por qualquer pessoa. Hoje, o dinheiro de concha foi substituído pelo dólar americano, que é usado no dia a dia – por exemplo, nas compras de supermercado. Mas a moeda de pedra continua sendo vital para os 11 mil habitantes de Yap, em negociações mais conceituais, que envolvam direitos ou costumes.
O valor da rocha sempre foi fluido, desafiando o conceito ocidental de que o valor da moeda é fixo e pré-determinado. As pedras são valorizadas pelo tamanho — variam de 7cm a 3,6m de diâmetro —, assim como pelos ornamentos e pela dificuldade que a família teve para obtê-la. Também depende de para quem você a oferece e do motivo. Além disso, os yapeses levam em conta a história oral da pedra, já que não há registro por escrito de propriedade. Como as famílias raramente mudam de aldeia, os anciãos dos cerca de 150 vilarejos da ilha passam adiante informações sobre cada peça. As pedras acabam funcionam como um memorial do passado e ajudam a reforçar relacionamentos e negócios que datam do tempo em que havia guerreiros e clãs. Em alguns casos, as rochas apresentam gravuras que simbolizam batalhas de mais de 200 anos.
As pedras rai são colocadas em lugares específicos, de acordo com suas conexões secretas, relações com a aldeia, histórias de casamento, conflitos e pedidos de desculpa — que as fizeram mudar de dono ao longo dos séculos. São as narrativas que apenas os aldeões locais conhecem que determinam qual de fato é a mais valiosa. Não há necessidade de se produzir mais dinheiro de pedra, uma vez que a ilha tem basicamente um número permanente em circulação, e poucas peças são transportadas. Mesmo as que estão quebradas conservam sua história oral, o que confere a elas mais valor do que uma nova. De tempos em tempos, no entanto, novas moedas são confeccionadas, com o simples intuito de garantir que as habilidades das gerações passadas não sejam esquecidas.
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