Dois britânicos e um cão: a ousada travessia a bordo de uma balsa salva-vidas gigante rumo ao Ártico
Considerado o último recurso de um marinheiro em situações de naufrágio, um barco salva-vidas pode ter outras funções além daquela para a qual foi criado. Pelo menos foi no que apostaram os britânicos Guylee Simmonds e David Schnabel, que em 2018 compraram um bote gigante (com capacidade para 100 pessoas) que servia a uma balsa de passageiros e veículos (ferryboat) na Escócia e o transformaram em um barco utilitário, com o qual realizaram uma aventura épica entre a costa da Inglaterra e o Círculo Polar Ártico. Junto, foi o cachorro de Guylee, um retriever chamado Shackleton.
Estudantes de arquitetura na Universidade de Cardiff, no País de Gales, ambos com 28 anos de idade, os dois compartilhavam desde a adolescência o sonho de protagonizar uma expedição marítima do mesmo grau de grandeza do nosso Amyr Klink. A rota já estava traçada: navegar os 5 000 quilômetros de paisagem selvagem e isolada que separam a costa de Sussex (condado histórico da Inglaterra) de Tromsø, a maior cidade do Ártico, no extremo norte da Noruega, famosa pelos fiordes.
Para tornar o sonho realidade, eles procuravam por um barco quando ficaram sabendo que a empresa Caledonian MacBrayne (CalMac), principal operadora de ferries na Escócia, havia desativado toda uma frota de botes salva-vidas, que seria substituída por infláveis. Na hora, Guylee Simmonds percebeu que havia encontrado a embarcação adequada. “Esses botes foram projetados para enfrentar as piores condições, como salva-vidas de balsas, mas nunca conseguiram realmente atingir seu potencial. Por que não testar a sua capacidade?”, explicou o estudante de arquitetura, que não hesitou em pagar € 7 000 por um bote de 10,7 metros de comprimento (35 pés).
A conversão do bote em um barco de cruzeiro, ou em um utilitário, consumiu 15 meses. Batizada com o nome Stødig (um adjetivo norueguês que significa estável e confiável), a embarcação ganhou dois camarotes na proa e outro na popa, uma cozinha, mesa de jantar, banheiro e muitos paióis. “Projetamos de dentro para fora, adotando os princípios pelos quais projetaríamos edifícios”, conta Guylee. Um detalhe recebeu atenção especial no projeto: uma proteção no cockpit, para que os dois aventureiros pudessem degustar churrascos e peixe durante a travessia e, acima de tudo, sentar para tomar uma cerveja, como bons britânicos que são.
O Stødig zarpou do porto de Newhavem, na Inglaterra, em maio de 2019. A partir dali, contornou a costa da Bélgica, depois a da Holanda; passando as Ilhas Frísias, na Alemanha, atravessou o canal de Kiel e seguiu rumo ao Báltico, contornando ainda a costa da Dinamarca e da Suécia, antes de cruzar o estreito de Skagerrak rumo a Bergen, a segunda maior cidade da Noruega.
A viagem começou a ganhar ares de ventura quando o barco pegou a rota da balsa Hurtigruten, uma famosa linha marítima entre as cidades de Bergen e Kirkenes, em que enfrentou surpreendentes ondas de quatros metros. De Kirkenes, apontou a proa para Tromsø, porta de entrada norueguesa no Círculo Polar Ártico. Ao todo, o Stødig cruzou oito países, em uma jornada que se estendeu por cinco meses, com contando toda a temporada de inverno que passou explorando o Círculo Polar.
O objetivo da expedição era justamente este: explorar a paisagem selvagem e isolada, demonstrando a capacidade de viver a bordo de um barco projetado para ter autossuficiência em um ambiente tão extremo. Tudo devidamente documentado e compartilhado nas redes sociais por meio de fotografias e vídeos.
“O Stødig foi para nós um lar tão seguro quanto em qualquer outro em que vivemos anteriormente”, garantiu Guylee Simmonds ao desembarcar na Inglaterra. A próxima expedição a bordo desse utilitário dos mares? “Agora, em 2020, estamos ansiosos para ir mais ao norte, o último trecho da costa norueguesa e o mais remoto do país, que não alcançamos nessa viagem”, revela.
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