Auxílios Virtuais à Navegação
Imagine a cena: você está navegando em aproximação a um porto qualquer deste nosso grande planeta, e sai para o convés munido de seus binóculos com a finalidade de identificar a boia que aparece na tela do seu plotter (cuja sigla técnica é ECDIS). Você procura, procura, procura e não encontra nada. Fica na dúvida, se os binóculos estão bem regulados, se seus olhos estão bem ou se há algum problema com o plotador e nada.
Você então percebe que está diante de um Virtual AtoN, ou Auxílio Virtual à Navegação, do inglês Virtual Aids to navigation, uma novidade que parece ter saído de alguma garagem do Vale do Silício, mas que na realidade vem sendo implementada desde 2008 pela IMO (Organização Marítima Internacional) como um bem elaborado Plano de Navegação Eletrônica. Este plano tem o aval de organizações internacionais do porte da IHO (International Hydrographic Organization), IALA (International Association of Marine Aids to Navigation and Lighthouse Authorities) e as Guardas Costeiras Norte-Americana (USCG) e Britânica (MCA), entre outras.
Numa era onde nos acostumamos a utilizar a expressão “virtual” literalmente para quase tudo, como amor virtual, amigo virtual e tantas outras situações em que acabamos tendo a informação digital mais acessível do que a “palpável” por assim dizer, acabamos ganhando mais alguns elementos virtuais ao nosso vocabulário. Na realidade, se é que ainda podemos utilizar esta expressão, os novos auxílios propostos são classificados em:
Real AIS ATON: que é um sinal de AIS transmitido por um equipamento real, posicionado no mar ou em seu perímetro, como uma boia que pode ser vista com seus olhos, identificada em sua tela ou mesmo tocada pelo seu casco (portanto cuidado);
Synthetic AIS ATON: que se trata de um sinal eletrônico de AIS transmitido por uma estação em terra, mesmo que a certa distância que, porém representa um auxílio real, como uma boia cega, que não transmite nada, mas que é representada em sua tela;
Virtual AIS ATON: que é o caso do auxílio à navegação que aparece em sua tela do plotter ou radar, porém não existe fisicamente.
Os tradicionalistas perguntariam: qual o motivo que os levaram a desenvolver esta ideia? Geralmente as tragédias levam a estes ditos avanços. No caso, o furacão Katrina arrancou muitas das boias localizadas nas proximidades de New Orleans em 2005, e se este sistema estivesse em uso, nenhuma boia teria saído do lugar e as embarcações em operação de auxílio não teriam enfrentado as dificuldades que encontraram ao se aproximar de uma região rasa e sem poder se localizar, pois o próprio recorte e relevos do litoral estavam diferentes dos conhecidos antes da tragédia.
Como todo avanço criado, sempre há um contraponto que permanece pendente. Estes auxílios só podem ser detectados nos barcos equipados com AIS, e os equipamentos da Classe B, os mais utilizados nos iates em geral, podem não ter toda a condição de detectar estes sinais. Vale dizer que uma das máximas da navegação é buscar sempre a redundância de informações e suporte, portanto depender apenas de um sinal eletrônico de terra para se guiar pode ser um problema, pois falhas de energia podem tirar o transmissor do ar, um haker pode mudar os parâmetros e te botar em rumo contra um obstáculo e a própria distância ou certas condições atmosféricas podem influenciar os sinais de VHF, meio pelo qual os sinais de AIS chegam até nós, prejudicando a qualidade das informações.
De toda forma, avanços baseados em novas tecnologias devem ser vistos como mais segurança, que não seja agora, mas para o futuro. Me lembro do primeiro equipamento de navegação por satélite que tive a oportunidade de conhecer. Era um velho receptor do sistema Transit, instalado em um mineropetroleiro da Petrobras, que tinha o tamanho de uma geladeira daquelas bem antigas, e que levava quase meia hora para calcular uma posição que se aproximava cerca de 10 milhas de nossa localização real. Hoje, temos GPS de pulso, que permite uma aproximação de poucos metros.
Os avanços presenciados me fazem crer que teremos cada vez mais de nos ater às telas dos equipamentos eletrônicos de bordo, e menos ao binóculo, a alidade e a identificação visual do relevo e dos obstáculos reais colocados em nosso caminho. Algo que particularmente não me agrada, mas contra a qual não há o que se fazer, a não ser polir o velho sextante, num tipo de movimento contra-cultural, a moda dos anos 1960.
Um sábio navegador observou que “existem cinco maneiras de se resolver qualquer problema a bordo, uma delas é a maneira nova, as outras continuam funcionando” (Larry Pardey).
Verifique no site da Agência Hidrográfica Norte-Americana (www.nauticalcharts.noaa.gov), a simbologia a ser utilizada nestes novos recursos.
Em relação ao nosso litoral, na quarta edição da Carta 12000, editada pela DHN em março de 2014, não havia nenhuma informação sobre este tipo de auxílio, mas há informações que eles estudam adotar esta nova possibilidade em breve, talvez já em 2015.
Alvaro Otranto é navegador de longas travessias, um dos mais antigos colaboradores da revista Náutica e criador da Moana Livros, primeira livraria na internet especializada em temas de mar e aventura.
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