Como é a vida de solidão de um faroleiro, que conhece o isolamento muito antes da pandemia

24/05/2020

Para cuidar do farol da Ilha Rasa, Wendel Nunes dos Santos fica 87 dias sem pisar na cidade, e conhece o isolamento muitos antes da pandemia

Como manter o equilíbrio psicológico em tempos de coronavírus? Pergunte a um faroleiro, o profissional que conhece o isolamento muitos antes da pandemia. Como o cabo Wendel Nunes dos Santos, um dos operadores do farol da Ilha Rasa, que ilumina o mar do Rio de Janeiro, auxiliando a navegação na entrada da Baía de Guanabara.

“Ser faroleiro é muito gratificante. Mas exige ficar longe das pessoas que amamos por muito tempo. Temos que aprender a viver com a saudade de casa e com um pouco de solidão. O único contato externo que temos é com o pessoal da lancha que vem abastecer a ilha com óleo diesel, que é necessário para o funcionamento do gerador, e com gêneros alimentícios”, conta Wendel, que fica na Ilha Rasa por 87 dias seguidos.

De acordo com a Marinha, há 216 faróis ao longo da costa brasileira, dos quais 33 são “guarnecidos”, ou seja, operados por faroleiros, enquanto os demais foram automatizados, por contenção de despesas. O farol da Ilha Rasa fica no Arquipélago das Cagarras, a dez quilômetros da agitação da praia de Copacabana.

Não há na ilha o que fazer, fora trabalhar. O acesso a ela é restrito. Apenas quatro militares permanecem de plantão, isolados das famílias e da cidade.
No passado, esses “guardiões dos mares” eram obrigados a ficar isolados na ilha por dois anos seguidos. Agora, eles permanecem lá por quase três meses (exatamente 87 dias, como diz o regimento). Ao fim desse período, são substituídos. Ainda assim é preciso ter boa cabeça para encarar uma rotina que não se resume a ligar o farol quando o sol se põe e a desligá-lo ao amanhecer.

O regime é espartano. Os marinheiros não podem pescar nem mergulhar. A ilha é cercada por pedras, não tem praias. Também não praticam esportes. Bebida alcoólica é proibida.

Para matar a saudade da a família e dos amigos, eles usam os aparelhos celulares, que pegam sinal em alguns pontos da ilha. Também rezam, leem a Bíblia — conversam com Deus — e se distraem com o uso de jogos eletrônicos, vendo tv ou lendo um livro. Além disso, têm a companhia de três cachorros, que ajudam a fazer a segurança da ilha, dando alerta para qualquer movimentação suspeita.

Quando não estão guardando os mares, os faroleiros se ocupam dos equipamentos (manutenção dos geradores, parte elétrica, pintura etc.), cuidam da limpeza do lugar, regam a horta, colhem verduras e legumes e preparam o almoço e o jantar. Dos quatro militares, apenas dois atuam diretamente com o farol. Entre os outros dois, um é especializado em motores e o outro em eletricidade. O alojamento é simples. Cada marinheiro tem um quarto. O banheiro é coletivo.

No silêncio da noite, quando termina o serviço, Wendel aproveita para refletir sobre a vida, cultivando versos, fazendo poesia. “O importante é ocupar a mente”, diz. Os versos a seguir fazem parte de um grande poema dele (selecionamos apenas alguns trechos), escrito nesses tempos de coronavírus:

“Sou faroleiro e com muito orgulho
reconheço a grandeza da profissão
E tenho a sinalização náutica
como mais importante missão…

(…) E se me perguntam como é
ficar assim isolado
Eu digo que o mais difícil
é não ter quem ama ao seu lado….

(…) Estou longe de quem amo
esposa, filha, minha família
E como se já não bastasse
a preocupação do dia-a-dia
Surge uma nova apreensão
em forma de pandemia

Meu Deus…
que agonia

(…) Pra quem cuida do farol
como o seu segundo lar
Tarefas não vão faltar
pra sua mente ocupar.

Ocupar a mente é necessário
para diminuir tanta ansiedade
Que é fruto da preocupação
com um oceano de saudade.

Nós ligamos para família
sempre que o peito aperta
Só assim, por um momento
é que o coração sossega.

Tem muita gente entristecida
pois dentro de casa está
E existe nós os faroleiros
que sonhamos pra casa voltar.

Sei que é muito difícil
quando da rua vem o sustento
Mas é a família que fornece
o verdadeiro aprazimento.

Aproveitem esse período
para realmente conviver
Será que estais notando
os seus filhos a crescer?”

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