Exclusivo: brasileiro Manoel Chaves, da MCP Yachts, irá à Justiça por direitos sobre hidrofólios dos veleiros da America’s Cup 2021

24/10/2020

Respeitado engenheiro naval e construtor de barcos, o brasileiro Manoel Chaves, da MCP Yachts, revela que os hidrofólios que equipam os veleiros da America’s Cup 2021 são patenteados por ele, e que vai à Justiça pleitear os créditos de sua criação

A próxima edição da America’s Cup, programada para março de 2021, terá uma nova geração de veleiros monocascos, chamados AC75, extremamente sofisticados e com novos conceitos, a começar pelos revolucionários sistemas de hidrofólios pivotados no costado.

Projetados para gerar sustentação, de forma que, paralelamente, compensam o movimento das velas, e, ao mesmo tempo, diminuem o deslocamento dinâmico do veleiro, esses hidrofólios fazem com que os barcos se elevem da água e literalmente voem. A estimativa é a de que os barcos AC75 cheguem a atingir uma velocidade cinco vezes maior que a do vento verdadeiro.

Apresentado pelo Emirates Team New Zealand — defensor do troféu após a conquista da America’s Cup 2017 —, esse revolucionário sistema de hidrofólios tem paternidade reconhecida por patentes: o empresário e engenheiro naval brasileiro Manoel Chaves e sua equipe de projetistas da MCP Yachts, um dos maiores construtores de iates de alumínio da América do Sul, há 40 anos no mercado.

O brasileiro Manoel Chaves (Divulgação)
Alguns dos projetos de Manoel Chaves, da MCP Yachts, um dos maiores construtores de iates de alumínio da América do Sul

O problema é que, segundo Manoel Chaves, os advogados da Emirates Team New Zealand (ETNZ) e os diretores da equipe que projetou o AC75 estão evitando reconhecer os direitos de propriedade do brasileiro, que obteve o registro da patente tanto no Brasil — com extensão internacional — quanto na Nova Zelândia. O que deve gerar uma disputa na justiça daquele país.

“A ação procurará obter os créditos legais pelo sistema de hidrofólios que equipam os veleiros da America’s Cup 2021, assim como reconhecimento específico no escritório de patentes e direitos de propriedade industrial na Nova Zelândia”, explica Manoel Chaves, que antes de recorrer à Justiça tentou, por diversas vezes, pleitear os seus direitos cordialmente, sem sucesso.

“Há mais de dois anos, os advogados da direção do Emirates Team New Zealand vêm se esquivando dos nossos advogados”, diz o comandante da MCP Yachts. “Inicialmente, eles não respondiam a nossas cartas nem os nossos e-mails. Agora, recusam-se a se reunir com nossos advogados”, lamenta ele. “Possivelmente é o típico caso de um burocrata isolado, que nada entende de barcos e que se julga acima da lei”.

Se não houver um acordo, tanto a competição principal (o mais famoso e tradicional desafio da vela mundial, com 169 anos tradição) quanto a etapa seletiva para o desafiante (antiga Copa Louis Vuitton, atual Copa Prada) terão na esteira essa mácula e um grande imbróglio judicial.

Manoel Chaves tem absoluta certeza de que nem governo dos Emirados Árabes nem o da Nova Zelândia têm conhecimento desse conflito, segundo Manoel, escondido pelos advogados e pelos diretores da ETNZ. O brasileiro imagina que, em algum momento, os gerentes e advogados da equipe falharam em assumir que o escritório que projetou o AC75 copiou a ideia sem saber que havia patentes a ser respeitadas. Agora, afirma, insistem em não voltar atrás.

“Na Nova Zelândia, está em andamento uma investigação de desvio de dinheiro público, que teria sido praticado por alguns burocratas da ETNZ. Talvez por isso, sem fazer nenhum juízo antecipado, esse assunto caia como uma bomba nas mãos de alguns daqueles burocratas, ressalta Manoel.

“Um provérbio famoso em inglês diz: ‘Imitation is the Sincerest Form of Flattery’. Ou seja, a imitação é a forma mais sincera de lisonja”, lembra o comandante da MCP Yachts, o brasileiro Manoel Chaves.

Não se trata de simples troca de palavras

Manoel Chaves tem (e já apresentou) provas concretas de que a primazia da descoberta dos hidrofólios que serão usados nos AC75 pertence a ele e à sua equipe, a começar pelo registro das patentes, concedido, repita-se, tanto no Brasil (PAT. BR 10.2015.028909.9) quanto na Nova Zelândia (PAT. N. 740860) — ou seja, na própria casa do Emirates Team New Zealand, para onde está programada a 36ª edição da America’s Cup, após a disputa entre os três desafiantes: o Luna Rossa Prada Pirelli Team (Itália); o American Magic/New York Yacht Club (EUA); e o Ineos Team UK (Inglaterra).

Luna Rossa Prada Pirelli Team (Itália)

Ineos Team UK (Inglaterra)

Antes de recorrer à Justiça, o brasileiro diz que fez de tudo para resolver o assunto de forma positiva e cordial, por conta de sua vivência no mundo náutico. Mas, ao que parece, não resta a seus advogados (do Brasil e da Nova Zelândia) outra alternativa senão a de entrar com uma ação no país sede da America’s Cup 2021.

Importante lembrar que uma patente não é um documento comprado ou concedido sob pressão. Antes, é um título de propriedade concedido após um longo e detalhado estudo, sob controle de um corpo técnico governamental dos países envolvidos, e concedido livre e espontaneamente.

A regra da America’s Cup estabelece que o detentor do título escolhe o local das regatas e o modelo do veleiro para os matchs finais. E os kiwis, como atuais campeões, optaram pelo AC75, com hidrofólio pivotante no costado, com asas quilha e asas lift eletronicamente controladas, exatamente como detalham as patentes de Manoel Chaves e sua equipe.

O invento do engenheiro naval e sua equipe brasileira já registrava mais de 120 mil visualizações na internet quando a Emirates Team New Zealand revelou seu novo barco — o Te Aihe, nome que significa golfinho, na língua Maori —, que tinha como atrativo principal os foils, cujo emprego — na condição de defensor do título — tornou obrigatório para todos os barcos desafiantes.

As imagens na imprensa internacional chamaram atenção do brasileiro, que imediatamente identificou nos hidrofólios do AC75 o DNA do sistema patenteado por ele. Ou seja, segundo Manoel, era uma cópia exata do seu dispositivo.

“Fomos conferir de onde vinham os acessos à nossa página na internet para assistir ao vídeo do nosso sistema operando, e ler as apostilas que mostravam como tudo funcionava, e em um período específico, a maioria dos acessos era de internautas da Nova Zelândia e Itália. Ou seja, eles deixaram rastros”, conta Manoel Chaves.

Para aumentar a sua desconfiança, em nenhum momento os projetistas do ETNZ revelaram um protótipo desse veleiro navegando, nem apresentaram alguma patente sobre o sistema de hidrofólios.

Documentos comprovam

“Será impossível o Team Emirates provar o contrário”, acredita Manoel Chaves. Por que? Simples: porque esta vestimenta tecnológica tem dono. “Tenho documentos que comprovam que desenvolvi essa tecnologia muito antes de os cronogramas de construção dos AC75 terem sido estabelecidos”, afirma Manoel Chaves, que registrou a propriedade intelectual primeiro no Brasil (que é signatário da Convenção de Paris, que estabelece que, num período de dois anos, as patentes registradas em um país são válidas internacionalmente) e depois (reforçando a proteção da propriedade industrial) na Nova Zelândia, garantindo exclusividade em sua exploração por 20 anos, de acordo com os critérios da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Wipo, da sigla em inglês).

Isso significa que Manoel Chaves tem seu invento protegido por patentes em todo o planeta, cabendo aos responsáveis pela America’s Cup lhe conferir o crédito intelectual pelo uso da tecnologia desenvolvida por ele.

Para defender seus direitos, o brasileiro contratou um advogado na Nova Zelândia, que fez um alerta ao Emirates Team New Zealand sobre a violação da patente. Aparentemente, o responsável pela área jurídica da equipe dos Emirados Árabes deu de ombros. Os advogados de Manoel Chaves por fim endereçaram uma carta ao Senhor Hon Phil Twyford, Ministro do Comércio, Inovação e Emprego da Nova Zelândia, relatando todos os fatos, com a apresentação das provas de que o mecanismo criado por sua equipe tem patente e é em tudo semelhante ao usado pelas equipes da America’s Cup. Porém, o governo da Nova Zelândia, em processo de recém consolidação de eleições internas, ainda não respondeu.

Agora os advogados de Manoel Chaves no Brasil (da BEERRE Patentes) e na Oceania (Mr. Jim Piper, da PIPERs New Zealand), grandes especialistas em direito de propriedade intelectual nos dois países, dizem não restar outra opção a não ser o início de um processo contra os organizadores da competição, por violação da patente.

E o que diz a Emirates Team New Zealand?

Recentemente, após quase dois anos sem responder aos advogados de Manoel Chaves, a equipe de jurídica da ETNZ (por meio do Dentons Patent Attorneys, um dos maiores escritórios de advogados do mundo) enviou uma mensagem dizendo que, apesar das “coincidências”, o sistema não é “exatamente igual”.

Na mesma carta, aproveitaram para ameaçar o inventor e projetista brasileiro com ações por danos morais, se ele for à imprensa revelar esses fatos, “uma vez que as empresas envolvidas na competição são de ilibado histórico”.

Sem dúvida, empresas poderosas (Air Bus, Prada, Pirelli, Fly Emirates, Toyota, Yanmar, Ineos, Parker e Omega, entre outras) patrocinam a America’s Cup, faturando com as imagens que correm pelo mundo mostrando os barcos super velozes e arrojados que participam da competição. Estampam seus nomes nas velas e nos cascos.

Porém, ressalta Manoel Chaves, provavelmente esses patrocinadores ignoram totalmente a sua contestação, mantida em segredo pelos advogados dos diretores da equipe dos Emirados Árabes.

Toda esta confusão, afirma Manoel, poderia ter sido resolvida há 32 meses pelos advogados da equipe ETNZ, “se esses se dispusessem a conversar com o inventor do revolucionário sistema de hidriofólios, dando o crédito da invenção a ele e a sua equipe”. Porém, eles deram de ombros ao pedido do brasileiro Manoel Chaves, que detém como provas as patentes, um histórico irrefutável como engenheiro naval e construtor de barcos, fotos do seu protótipo navegando com os hidrofólios originais, testes realizados em tanques de provas, todos documentos, além do vídeo no YouTube com mais de 180 mil visualizações. “Haverá um julgamento nos tribunais que poderá demorar de três a cinco anos. Mas nenhum escritório de advocacia, por maior que seja, poderá tirar isto de nós”, diz Manoel Chaves.

Segundo Manoel Chaves, o sistema de hidrofólios foi patenteado em 2015, gerando um primeiro projeto para uso em um veleiro de cruzeiro de alta performance (confira aqui). O protótipo foi fabricado no estaleiro do empresário (MCP Yachts), na cidade do Guarujá, no litoral de São Paulo. Ninguém jamais havia visto um sistema como esse.

Os hidrofólios desenvolvidos no Brasil foram patenteados com o nome de SBS (Sailing Booster System), que se diferencia por apresentar uma asa em cada bordo, ambas que pivotam (giram) no costado. “Quando esse sistema está dentro d’água, a sota-vento, a asa vertical opera como quilha”, explica seu inventor.

“Além disso, perpendicular e na extremidade baixa da asa-quilha, há uma segunda asa, chamada asa lift, que gera empuxo instantâneo / variável e eletronicamente controlado”, diz, detalhando como superou em performance os outros tipos de hidrofólios para veleiros existentes no mercado.

Os testes iniciais foram feitos em janeiro de 2016. Para tanto, Manoel Chaves adaptou um antigo veleiro seu, o Labareda, modelo Atoll 23, construído em 1978. A quilha original do Labareda foi cortada em 21 de dezembro de 2015, permitindo a colocação dos SBS nos costados.

À esquerda, o veleiro Labareda, modelo Atoll 23, construído em 1978, com o SBS nos costados. À direita, o AC 75, da America’s Cup 2021

Paralelamente às provas de mar do protótipo, foram feitos testes no campo de provas da Universidade de Jaú, no interior de São Paulo, com modelos em diversas velocidades. “Os resultados foram entusiasmantes. Todos os eventos foram registrados, fotografados e filmados”, garante Manoel, inventor do SBS.

Já patenteado, o sistema foi apresentado ao público pela primeira vez durante o Annapolis USA Sailboat Show, em outubro 2016.

Manoel Chaves apresentando sua invenção SBS no Annapolis USA Sailboat Show

O SBS de Manoel Chaves logo chamou atenção, por conta dos ganhos em eficiência, performance, segurança, economia e conforto no mar, além da facilidade de operação. “É um sistema muitas vezes mais eficiente que qualquer outro”, defende seu inventor.

Fólios não são propriamente uma novidade

Já existem muitos modelos aplicados em embarcações. A originalidade do SBS está no modo que esses fólios foram agregados aos monocascos, e em como passaram a operar nesses veleiros. “Combinados entre si, eles garantem sustentação lateral, compensando o esforço também lateral das velas. Ao mesmo tempo, oferecem uma resposta instantânea eletrônica de empuxo, anulando ou reduzindo a necessidade da quilha convencional, reduzindo assim o deslocamento dinâmico do casco”, detalha Manoel Chaves.

Sem contar a facilidade de colocar e tirar da água (basta apertar um botão) e o fato de ser um sistema de resposta instantânea, eletronicamente inteligente. “Se o barco precisa de mais lift a sota-vento, imediatamente o sistema hidráulico gera esse lift, comandado por um conjunto eletrônico alimentado por baterias”, acrescenta.

O mais interessante é que esse sistema pode ser usado inclusive em veleiros de cruzeiro, e não apenas de competição, como as máquinas de velejar da America’s Cup. A vantagens são enormes: do calado diminuto em veleiros de cruzeiro (no caso extremo, é possível dispensar o uso de uma quilha, como fazem os AC75) à estabilidade (mesmo quando fundeado, com marolas transversais, o barco não balança; fica travado), passando pela leveza e velocidade — num veleiro normal, é possível reduzir em mais de 60% o peso da quilha.

“Não tem sentido gastar uma fortuna para fazer um barco de fibra de carbono e mastro super leve e depois colocar chumbo na quilha para conseguir melhor estabilidade”, diz o inventor do SBS, sistema que dispensa o acréscimo de peso para a obtenção de estabilidade.

Pelo contrário: “O deslocamento dinâmico (que consiste no peso do barco quando está navegando) vai diminuindo conforme a velocidade aumenta”, descreve o engenheiro naval brasileiro. Com isso, é claro, o barco navega com mais velocidade.

“Ficaremos felizes se apresentarem algum barco ou protótipo com a mesma ideia ou patente com data anterior a 18 de novembro de 2015”, diz Manoel Chaves, referindo-se à data de registro de suas patentes. De acordo com a lei, todo o processo de registro de patente fica por um mês de conhecimento público, esperando qualquer contestação. “Mas nada foi apresentado até agora, no Brasil ou na Nova Zelândia”, afirma Manoel, que aguarda os próximos capítulos da história, às vésperas da Copa do Mundo da vela.

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