O que um velejador que deu a volta ao mundo pode nos ensinar sobre o confinamento?
Com a experiência de quem passou sete anos confinado a bordo de um veleiro de 40 pés — e de quem deu uma volta ao mundo, ao longo de cinco anos, a bordo do veleiro Matajusi, tendo apenas a companhia da esposa — o empresário e velejador Silvio Ramos ensina, na entrevista abaixo, os segredos para viver em isolamento sem tédio, nesses tempos da pandemia de coronavírus.
Como foi a preparação para a viagem?
Para poder realizar minha volta ao mundo, tive que me preparar, estudar muito entre 2005 e 2009, além de definir como iria me ausentar do trabalho como diretor-geral de uma multinacional americana na América Latina. Criei um método de trabalho à distância. Treinei meu staff para trabalhar dessa forma e vendi aos meus superiores a ideia de um ano sabático. Continuaria meu trabalho, do barco, ao custo de 60% da minha compensação. Como a empresa estava muito bem, eles concordaram e economizaram os 60%. Combinamos fazer isso por um ano. No final, com tudo dando certo, acabei fiquei sete anos embarcado, cinco deles dando a volta ao mundo. Correspondia-me duas vezes por dia, por e-mails e, quando estávamos perto de terra, usando o Skype para fazer conferências.
O confinamento pode nos trazer algum tipo de benefício?
Claro! Quando se vive a bordo, aprende-se a viver com menos, em menores espaços, a provisionar e usar somente o necessário. Nas grandes travessias oceânicas, podemos ficar até 20 dias, às vezes mais, sozinhos no meio do imenso mar, num espaço de 12 x 4 metros. Nesse período, as únicas coisas que vemos ou sentimos são a temperatura, o vento, as ondas, as nuvens, a chuva, o sol, a noite, as estrelas, alguns peixes e animais marinhos e, muito raramente, algum outro barco. O barco é a nossa casa e lá fazemos nossa comida, tomamos banho, dormimos. Ou seja, tudo que fazemos na nossa casa em terra fazemos na nossa casa no mar, é só uma questão de se acostumar e se adaptar.
Existe algum paralelo entre o confinamento a que foi submetido durante a volta ao mundo e o isolamento social de agora, por causa da pandemia de Covid-19?
A vida a bordo é muito parecida com uma quarentena. Nos dois casos ficamos confinados. Acredito que os sete anos que vivi a bordo me deram muita experiência em isolamento, o que está também ajudando nessa situação da Covid-19. Adquirimos muita experiência em provisionar, lavar, guardar e conservar alimentos, reservar combustível, água e outras bebidas, além de nos entreter com pouco.
Que sugestões você dá para quem tem dificuldade de ficar em casa?
Como quase todos hoje temos internet em casa, entenda como sendo a hora de trabalhar aqueles projetos que nunca saíram do sonho, como escrever um livro, um diário, algumas mensagens para parentes e amigos. Podemos também tentar novas receitas culinárias, assistir a muitos filmes e vídeos interessantes. Eu tenho feito muitas reuniões virtuais, com a família, os amigos, grupos de interesse mútuo. Também tenho estudado e praticado um pouco de espiritualidade, e o que mais me vem à cabeça.
Quais foram os principais desafios durante os sete anos vivendo a bordo?
Creio que cortar o cordão umbilical com a terra seja a pior tarefa nessa empreitada, assim como aprender a se desvencilhar das memórias. Mas, depois desse desprendimento, a vida passa a ser mais leve, mas fácil de ser vivida. Os dias ficam mais longos, o tempo nem parece passar, a saúde melhora excelente. Se contar que gastamos muito menos dinheiro, entre outros benefícios. Na volta à terra, pensamos que a vida estava tão boa sem os problemas do dia a dia que até passamos a sentir saudades do tempo que vivíamos no mar. Retornei em definitivo em 2013, cinco anos após ter iniciado a volta ao mundo. E acho que voltei muito melhor do que quando sai. Hoje, com 71 anos, fora alguns problemas gerenciáveis, tenho excelente saúde, energia e disposição. Sempre que posso, compartilho essa experiência, fazendo palestras e dando aulas de travessias oceânicas. Literalmente, estamos no mesmo barco.
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