Charter no Brasil
Considerada a mais luxuosa forma de turismo, o aluguel de grandes embarcações sempre foi considerado algo distante da realidade de nossos proprietários de embarcações. Sabemos que o principal motivo desta atividade não ser considerada por muitos é o inconfessável ciúme de suas embarcações, mas isto é outro assunto.
Tido como a atividade comercial que impulsionou o renascimento da construção de iates, principalmente na Europa, desde que os nobres árabes diminuíram suas compras na distante década de 1990, os estaleiros europeus e norte-americanos passaram a se dedicar à construção de iates cada vez maiores e mais sofisticados, que geridos da maneira apropriada tem seu custo anual zerado, e em muitos casos passam mesmo a gerar uma enorme receita a seus proprietários, a ponto de muitas empresas hoje se dedicarem exclusivamente a operar grandes frotas de super e megaiates de aluguel.
Estes barcos, cujo valor unitário pode ultrapassar a casa dos cem milhões de euros, operam nas águas do mundo todo, tendo o Mediterrâneo como principal área de navegação. O trajeto Caribe – Flórida seria o segundo local mais procurado, e até mesmo a distante Indonésia é considerada como um mercado de atuação de tais empresas. Porém, quando olhamos para o nosso umbigo, vemos que o aluguel de barcos em nosso imenso (e inóspito) litoral é irrisório, restringindo-se a pequenas lanchas de passeios diurnos e algumas companhias que alugam veleiros, notadamente no sistema bareboat (sem tripulação).
O charter envolve grandes embarcações, grandes investimentos e despesas milionárias. O Annual Report 2012, da publicação inglesa The Superyacht, apontou que no, ainda negativo, ano de 2011, o faturamento global de todo o trade envolvendo os iates apenas a partir dos 30 metros de comprimento, ou cerca de cem pés, foi de € 21.3 Bilhões (R$ 85 Bilhões). Nada mal para uma frota de estimadas 4 500 embarcações (igual ao nosso rombo das contas públicas em 2015).
Este surpreendente mercado envolvia, então, 33 000 tripulantes e outros 140 000 trabalhadores em terra. Cerca de 6 000 empresas se dedicavam a construir, reformar e dar manutenção a estas embarcações. Fornecedores de alimentos, bebidas, flores, combustível, lubrificantes, peças de reposição, uniformes, enxovais e acessórios de todos os tipos completavam o leque de participantes, sem falar no aluguel de aeronaves, veículos variados, despesas com restaurantes, compras e lazer em terra.
Enquanto isto, em nosso litoral o número de iates com mais de 30 metros não chega a uma dezena e muitos deles em precárias condições de uso, sempre no que diz respeito ao charter de alto padrão, sendo que nenhum deles está oficialmente dedicado a esta atividade. Os motivos são vários e bem conhecidos de quem labuta o mundo empresarial brasileiro. Confusão e excesso de burocracia, falta de regulamentação específica, dificuldades com as seguradoras, qualidade e falta de profissionalização das categorias envolvidas e total ignorância dos players, sejam proprietários, capitães, autoridades e, até mesmo, da clientela em potencial. Muitos proprietários brasileiros, só estudam alugar para clientes estrangeiros.
Com a aproximação das Olimpíadas, mesmo alguns dos mais ciumentos proprietários, como comentamos acima, acabou cedendo aos encantos das muito elevadas cifras envolvidas, e a possibilidade de alugar seus barcos numa época do ano em que os mesmos permanecem quase ociosos, passou a ser muito atrativa. O problema é que ninguém sabe como atender a este público requintado e exigente, e a possibilidade de sairmos com esta clientela insatisfeita, e o mercado fechado para os próximos anos ou décadas é enorme.
Recentemente, tive contato com alguns barcos que já estão reservados para mais de um pacote de sete dias, todos para o próximo mês de agosto. Muitos serão utilizados apenas para lobby de patrocinadores, servindo de palco para festas e reuniões, porém, outros serão utilizados para passeios em nossas águas, e é aí onde mora o perigo.
Num barco de charter, a relação entre passageiros e tripulantes é de um para um, mas às vezes existe bem mais do que um tripulante para cada conviva. Nossos barcos costumam ter tripulação bastante reduzida, utilizando tripulantes “multi-função”, algo não muito bem visto neste mercado. A qualidade dos cozinheiros (quando existem) não chega nem perto dos chefs necessários a trabalhar com o padrão requintado destes hóspedes. Lembremos que a diária a bordo de um iate de cem pés deve rodar em torno dos US$ 10 mil! Portanto, foie gras, caviar, champagne e outros ingredientes sofisticados são uma regra e não uma curiosidade difícil de ser até mesmo comprada em nosso exótico país.
Quanto aos comandantes, a imensa maioria não domina outro idioma, nem se considerarmos o “portunhol” como algo louvável. Não embarcamos hostess, uma tripulante que cuida das necessidades dos passageiros, gerando o mínimo de atendimento necessário. Em relação à manutenção, não há como prever o que irá acontecer, pois peças de reposição costumam demorar semanas, e não horas, para serem encontradas em nossos poucos fornecedores, portanto o risco de paradas técnicas é enorme.
Nós temos o vicio de acreditar que sorrindo resolvemos qualquer dificuldade, e que nossa natural simpatia tem o dom de aplacar qualquer estresse causado por falhas quaisquer. Infelizmente, quando falamos em clientes estrangeiros, acostumados a ser extremamente bem atendidos, as coisas ficam mais complicadas e pesadas ações de reparação poderão ocorrer.
Temo que, dependendo do resultado das dificuldades encontradas, o Brasil acabe saindo das Olimpíadas com o infeliz título de um país sem condição de receber este tipo de cliente, e que nos reste permitir que as grandes empresas europeias e norte-americanas consigam a já requerida e sonhada isenção de impostos, e que fiquemos à beira do cais, não “a ver navios”, mas a ver megaiates lotados de tripulantes estrangeiros, restando aos nossos conterrâneos os trabalhos de menor remuneração, apenas para cumprir um perverso sistema de cotas, que nos limita a histórica situação de “colonizados”.
Alvaro Otranto é navegador de longas travessias, um dos mais antigos colaboradores da revista Náutica e criador da Moana Livros, primeira livraria na internet especializada em temas de mar e aventura.
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