O casal que trocou o asfalto do Rio de Janeiro pelas águas do litoral brasileiro
Daniel Prates, de 36 anos, e Danielle Mello, 31, dividem o dia a dia a bordo do veleiro Kaizen desde dezembro de 2018. Ele, formado em filosofia, e ela, em biologia, se completam em uma rotina com muito sal, sol, artesanato e amor. Mas, para entender essa história é necessário voltar um pouco no tempo, quando eles ainda não se chamavam de “Dani” e nem imaginavam o que estava por vir.
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Os dois, mesmo que em momentos diferentes, sempre pensaram em viajar pelo mundo, mas até então, não sabiam como. Para qualquer lugar a questão monetária se fazia presente: era passagem, hospedagem e todos custos fixos de uma viagem. “Também nunca tive essa pegada de viagens rápidas, sempre gostei de explorar o lugar que visito”, explica Daniel.
Ainda assim, qual seria a alternativa? Motorhome? Mochilão? Não, a resposta era mais simples do que parecia. “Um veleiro mata os custos: a passagem é a vela, e a hospedagem é a própria embarcação. Pensando nesses custos, um veleiro era a melhor opção”.
Os primeiros passos
Entretanto, apenas o veleiro não interessava, afinal, eles não tinham tanto contato com o mundo náutico, tampouco com velejar. A fim disso, em 2015, Daniel passou o ano mergulhado em diversos cursos de vela espalhados pela cidade maravilhosa, onde viviam. Logo depois, a prova e a carteira de arrais vieram em seguida, em maio do mesmo ano.
No final de 2015, a consolidação: a compra do Kaizen. “Já comprei o veleiro para morar. Pensei em unir o menor custo com a menor estrutura que pudesse dar um conforto”, pontua Daniel que adquiriu um Delta 26, ano 1992, equipado com motor de popa Mercury 8 hp.
Nesse ínterim, o Kaizen ficou na Marina da Glória e, depois, no Clube de Regatas Guanabara. Lá, Daniel aproveitou e fez mais dois cursos de vela. “Fui mudando para o veleiro aos poucos, mas rapidamente já estava dormindo todos os dias nele. Sempre tive apoio em terra, guardando algumas coisas que não cabiam nele na casa da minha mãe”, complementa.
Danielle entrou em cena em 2018, mas, à época, eles não acreditavam que o relacionamento seguiria adiante, hoje, porém, riem disso. Depois dos primeiros encontros a dúvida de nunca mais se ver rondava o casal. Por linhas nem tão retas, eles foram construindo, aos poucos, tal relação.
Em novembro de 2018, Daniel se preparava para sua primeira grande viagem a bordo do Kaizen, partindo da Ilha Grande, em Angra Dos Reis. Danielle, que estava no Rio, foi até ele, mas quando voltou, pensou que nunca mais o veria. No entanto, como as linhas já não eram tão retas, problemas na viagem de Daniel o fizeram voltar.
No Rio, ancorado na praia de Botafogo, Danielle foi mais ao Kaizen. “Morei sozinho até dezembro de 2018, quando a Dani trouxe para o Kaizen uma mochila de roupas, um skate e uma escova de dentes”, brinca Daniel. Lá, passaram uma boa temporada vivendo no veleiro, onde, segundo eles, tudo era mais acessível, afinal, havia uma megacidade à disposição dos marinheiros de — quase — primeira viagem. No entanto, esse período foi de ajustes na vida do casal.
“A ideia parecia fácil: vou entrar no veleiro e vai facilitar tudo”, diz Daniel e ainda pondera que, praticamente, teve de fazer outra faculdade. “Não sabia nada de hidráulica, elétrica ou laminação. Fui aprendendo tudo”, conta. Fora isso, apesar de Danielle ser Bióloga Marinha e possuir um vínculo com o mar, ela não conhecia o mundo da vela.
“Não fazia ideia de como era morar a bordo, muito menos em um veleiro. A ideia de navegar sem o barulho do motor é surreal”, exalta.
Passado esse tempo de adaptação, partiram no final de 2019 para Ilha Grande. A princípio, ficariam três meses para testar se a ideia de viajar e morar a bordo era viável. Além disso, o intuito era fazer dinheiro através de charter, outro ponto a ser testado.
O inesperado aconteceu
O plano inicial era que, se os testes fossem aprovados, com um dinheiro que haviam guardado eles fariam algumas melhorias no barco, sobretudo em relação a geração de energia, para subir a costa até o nordeste. Contudo, mesmo com os testes aprovados, um problema externo foi maior que os planos do casal: a pandemia de covid-19.
“Quando estourou a pandemia, a gente estava indo até o Rio para fazer as últimas reformas no barco, mas resolvemos ficar na Ilha Grande, era um lugar mais seguro”, conta Daniel que ficou de quarentena junto com a Danielle. “Só com o dinheiro de manutenção do barco a gente se sustenta um ano inteiro. Tivemos que cortar gastos”, completa.
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Saindo do Kaizen apenas para ir ao mercado, Danielle e Daniel passaram a se dedicar a outras atividades, um tanto quanto encobertas, até então. “Felizmente, a gente voltou a ler e estudar literatura. O Dani começou a escrever com bastante frequência. E voltamos a fazer mais artesanato”, detalha Danielle.
Tal progresso com as confecções artesanais, que antes serviam para presentear amigos e familiares, gerou frutos em duas frentes. A primeira, foi a construção de uma targa de bambu que sustenta uma placa solar: Kaizen com energia. A segunda, foi a primeira ida a uma feira de artesanato, em Ubatuba.
Além disso, a inserção no mundo da literatura e a rotineira inspiração da natureza resultou no livro “Veleiro Kaizen – O início de uma vida pelos mares”. Em um compilado de contos em formato de cordel, as linhas escritas contam histórias simples e descontraídas da vida nômade do casal, como um diário de bordo. “A gente fez o livro todo: escrita, diagramação, fotos e até encadernamos com um cabo de sisal no meio de folhas A4”, conta Daniel.
Com o desenrolar do dia a dia a bordo do veleiro, o casal busca a excelência no mundo da vela. Do mesmo modo, “Kaizen” é uma filosofia japonesa que simboliza a melhoria contínua, em que todos estão em desenvolvimento e em busca da perfeição.
“Kaizen é um nome bem marcante. Para gente tem todo um significado”, conta Danielle.
“Hoje melhor que ontem e pior que amanhã. A gente tenta viver dessa filosofia também, sempre tentando melhorar”, diz Daniel.
Velejando entre a Costa Verde do Rio de Janeiro e o Litoral Norte de São Paulo, o limbo pandêmico trouxe ao casal a melhoria na vela e uma certeza: é plausível viver e navegar a bordo do Kaizen. “A gente percebeu que é possível viver muito tempo com pouco, desde que o barco não quebre”, finaliza Daniel.
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