Balé dos botos em Laguna impressiona o público pela inteligência dos animais
Em Santa Catarina, os golfinhos ajudam os pescadores na pesca da tainha, interação enche os olhos de turistas e da população local
Laguna, em Santa Catarina, é famosa em todo país por ser a terra natal da lendária Anita Garibaldi, personagem emblemática da história do Brasil e da Itália, ao lado de Giuseppe Garibaldi. A cidade histórica, a 120 km de Florianópolis, também é repleta de belas praias, dunas e paisagens, muito procuradas pelos turistas. Outro ponto turístico, com certeza, são os golfinhos de Laguna.
Laguna conta com outras atrações náuticas fundamentais, como o Farol de Santa Marta, construído em 1891. Mas, em tempos de ecoturismo e consciência ambiental, ninguém brilha mais nas águas lagunenses que um grupo de golfinhos, ou botos, como são chamados em Laguna.
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Não bastassem chamar atenção pela simples presença nessas águas, com seu nado veloz e gracioso, os inteligentes mamíferos marinhos da família dos cetáceos ainda roubam a cena durante as temporadas de pesca da tainha, levando os cardumes para perto dos pescadores.
Este fenômeno raro, enche os olhos dos turistas e as redes de 30 pescadores artesanais da região. Como retribuição, os golfinhos comem alguns dos peixes que se enredaram, pois as tainhas são velozes e difíceis de capturar.
Um levantamento da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), apontou 53 botos vivendo na região, da Lagoa Santo Antônio dos Anjos até as proximidades da ponte Anita Garibaldi. Entre eles, existem 20 “botos bons”, que cooperam com os pescadores na região dos Molhes e do Centro Histórico.
Atento observador dessa interação entre homem e animal, o fotógrafo Ronaldo Amboni — que de pescador virou um especialista no assunto — diz que a pesca cooperativa é uma tradição de Laguna. A estimativa é que tenha começado há pelo menos 120 anos.
Pesca cooperativa
Em Laguna, como uma espécie de patrimônio da cidade, os golfinhos, ou botos como são chamados na região, costumam nadar no meio do canal que liga a Lagoa de Santo Antônio ao mar aberto, na parte mais funda, onde estão as tainhas.
Ao perceber a presença dos pescadores — que se concentram em 16 pontos entre a barra e o Rio Tubarão, sendo o lugar mais famoso a chamada Tesoura —, os golfinhos passam a cercar os cardumes e os deslocam até eles.
Entrando a pé no mar ou de canoa (dependendo da maré), os pescadores esperam com suas tarrafas, uma espécie de rede circular de mais ou menos 3 metros de diâmetro. Quando jogam suas redes, os botos entram embaixo e abocanham os peixes que escapam.
Os botos não perdem a viagem e mesmo que o pescador não pegue nada, eles sempre ficam com um peixe, já que, com a rede vindo de cima, o cardume só pode fugir por baixo, justamente onde está o boto.
As tainhas são peixes rápidos e formam cardumes numerosos, que se mantêm juntos e conseguem se proteger. Para os botos, o benefício da parceria com os humanos é a desorganização do cardume após a tarrafa ser lançada. Já para os pescadores, a vantagem é a localização dos peixes em águas pouco transparentes.
Nenhum boto de Laguna foi treinado para fazer isso. Quem os ensinou foi a natureza, através dos ensinamentos que vêm sendo passados de um boto para outro ao longo de anos. Um interessantíssimo caso de trabalho em parceria, onde os dois lados saem ganhando.
Saltos de cinco metros
Os botos de Laguna são da espécie golfinho nariz-de-garrafa, que alcançam cerca de 3,5 m de comprimento e chegam a pesar 300 quilos. O maior da espécie encontrado em Laguna tinha perto de quatros metros e pesava mais de 500 quilos.
Apesar do peso, são famosos pelos saltos, que podem atingir até cinco metros fora d’água, como boto Borrachinha, um dos mais arteiros do canal de Laguna. Por isso, ganhou este nome.
Como se fossem velhos amigos
Pode parecer incrível, mas é verdade: os pescadores artesanais de Laguna reconhecem e dão nome aos botos que colaboram com eles na pesca da tainha. Eles reconhecem os bichos pelo tamanho, pelo formato e marcas nas galhas, as nadadeiras dorsais, espécie de impressão digital do boto.
Dá gosto ver o pescador Velly Préve — que aprendeu a pescar com o pai aos sete anos, em Laguna, e aos 14 começou a se encantar com os botos — identificar os parceiros de mar pelos nomes e apelidos, como se fossem velhos amigos.
“Quando comecei a pescar, havia o Tancredo, Juscelino e o Prego. Depois vieram o Chinelo, o Galha Torta, o Baila Comigo, o Lata Grande, o Escadeira e o Melegas, entre outros. Seguiram-se o Caroba, o Chega Mais, a Botinha do Rio e o Figueiredo, que, com exceção do Caroba, estão aí até hoje. Entre os botos grandes, temos o Scooby, que é conhecido como garanhão; o Fúria, o Pombinha, o Porquinho e o filho dele, o Natalino”, conta o pescador. Sem esquecer a Zariguin, que morreu presa a uma rede de pesca ilegal no Rio Tubarão.
Brincando na praia
Gregários, os botos costumam nadar em grupos na direção das ondas, o que facilitou a vida do fotógrafo que captou essa imagem. Eles sempre fazem isso: chegam com velocidade e deslizam nas ondas. Como os surfistas. Gostam disso. E se divertem. Quando a onda começa a quebrar, dão um salto e voltam na direção contrária à da margem, até que surja outra vaga. Praia, para eles, é como é para a gente: só para se divertir mesmo.
O lindo balé da captura
Os botos que frequentam o canal de Laguna todos os dias são animais livres, que saem para o mar aberto quando querem. Mas, se estiver dando peixe, ficam por ali, rondando os pescadores bem de perto e praticando técnicas avançadas de captura, como girar e atacar os cardumes de barriga para cima, para que os peixes não percebam a sua aproximação, porque a parte de baixo do corpo deles é branca e não cinza.
Assim, camuflados, atacam com mais facilidade e ainda produzem movimentos na água que mais parecem balés náuticos. Em Laguna, ninguém precisa de parque aquático para ver um boto de perto.
Rede cheia
A pesca de tainha em Laguna ocorre praticamente o ano inteiro, mas especialmente na alta temporada, nos meses de maio e junho. No auge da estação, especialmente em junho, tem tantas tainhas saindo das lagoas para o mar, pelo canal, que chega a faltar espaço na areia para os pescadores esvaziarem as tarrafas.
“Já vi pescador tirar mais de 200 tainhas da água, numa só tarrafada”, afirma Ronaldo Amboni. Mas a média, no restante dos dias bons do ano, são 50 peixes por rede — fora os que os botos comem. Quanto mais conhecedor dos botos o pescador for, mais peixes ele pegará.
Trabalho em conjunto
Os botos tanto podem agir sozinhos, em dupla ou em grupos. A estratégia de pesca deles muda conforme o dia e a quantidade de peixes na água. Como são animais inteligentes e com grande capacidade de comunicação, combinam entre si como irão atacar os cardumes e avisam isso aos pescadores, através de movimentos na superfície. Cabe a eles interpretar os sinais dos botos e jogar a rede na hora exata. Quando a sintonia é perfeita, é peixe na certa.
Paz, amor e sexo
A atividade sexual dos golfinhos de Laguna é intensa, mesmo quando a fêmea não está no período fértil. Sim, eles também transam por prazer e não apenas para procriar. Junto com os chimpanzés, são os únicos animais que fazem isso. E como fazem! No canal de Laguna, quando não estão pegando tainhas junto com os pescadores, boa parte dos botos se dedica a copular.
Aliás, as folias (por vezes, verdadeiras orgias) acontecem a qualquer hora do dia. Não por acaso, praticamente todos os botos do canal da cidade foram gerados e nasceram ali mesmo. E isso justifica o fenômeno dos botos pescadores. Segundo Ronaldo, os filhotes acompanham as mães e imitam os movimentos.
Outra curiosidade é que, na espécie nariz-de-garrafa, a grande maioria dos indivíduos é bissexual. O “nariz”, que acabou dando origem ao seu nome popular, é usado para estimular a área genital dos parceiros.
E a gaivota levou…
Além dos botos, os pescadores de Laguna têm a companhia constante das gaivotas. Elas ficam nas pedras do molhe, esperando as bobeadas dos pescadores. Quando eles tiram a tarrafa da água e despejam os peixes na margem, precisam ser rápidos, para não perder parte do trabalho para as aves. Como aconteceu neste caso. O pescador deu mole e a gaivota levou o peixe.
Memorial dos botos
Matar botos é um delito enquadrado na Lei de Crimes Ambientais, que prevê pena de prisão de um a cinco anos para o caso. Ainda assim, muitos golfinhos já perderam a vida em Laguna, a maioria vítima da pesca ilegal com redes de bagres, no Rio Tubarão. A maior crise ocorreu em 2018, quando morreram 18 botos, cinco deles do grupo que interage com os pescadores.
Como grito de alerta, em 2020 foi criado o Memorial dos Botos. Fica na Tesoura e parece um cemitério, com cruzes espetadas no solo com os nomes e as fotos dos animais mortos. A ideia é sensibilizar os pescadores e a sociedade para que se tornem aliados na conservação dos botos.
O canal dos barcos e dos botos
Para quem deseja chegar embarcado na chamada Capital Nacional dos Botos Pescadores, um alerta: a barra de Laguna é uma das mais difíceis da região sul. Mesmo com o molhe de pedras, não é muito fácil entrar e sair do canal onde os cetáceos ficam.
Como o antigo molhe continua debaixo d’água, o lado esquerdo de quem chega pelo mar bem raso, corre o risco de se ferir. Além disso, se torna perigoso para barcos. O jeito é entrar e sair sempre pelo lado do farol, o que obriga os barcos a fazer uma curva na boca da barra e, com isso, enfrentar as ondulações na diagonal. Quem conhece sabe que é só desviar do antigo molhe e pronto. Mesmo assim, nos dias de mar mais agitado, balança um bocado.
O artista e os malabaristas
O espetáculo da pesca com a ajuda dos golfinhos fica ainda mais bonito quando visto pelas lentes de Ronaldo Amboni — autor das imagens que ilustram essa reportagem. Em 2010, o então representante comercial ganhou uma câmera fotográfica e mudou de hobby. Ao invés de pescar nas horas vagas, passou a fotografar os golfinhos que frequentam o canal de Laguna, ali chamados de botos, e que protagonizam o curioso fenômeno da pesca conjunta com os pescadores. De pescador virou um especialista no assunto.
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