Um papo náutico com o presidente da Acobar, Eduardo Colunna. Confira

14/07/2021

Enquanto a economia do país amarga perdas pesadas na pandemia, o setor náutico vive um período de crescimento, como explica o presidente da Acobar, Eduardo Colunna. E essa não a única boa notícia

Presidente da Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e seus Implementos (Acobar) desde 2010, o paulista Eduardo Colunna tem motivos para comemorar os seus 10 anos à frente da entidade que reúne mais de 70 empresas associadas, de estaleiros a marinas e fornecedores de matérias primas.

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No ano passado, em meio à fortíssima queda da economia nacional e mundial, o setor náutico registrou um crescimento de 20%, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caia quase 5%.

eduardo colunna

O crescimento das vendas não é a única boa notícia anunciada pelo principal interlocutor da indústria náutica do país com o mundo político. Em sua gestão, a Acobar também criou o selo ABNT/ ACOBAR, certificação que serve de bússola para o consumidor identificar barcos construídos a partir de critérios rígidos de qualidade.

Além disso, estimulou a compra do primeiro barco com a campanha VENHA NAVEGAR e passou a formar e credenciar profissionais de vendas de produtos náuticos por meio do programa o BROKER ACOBAR. Sem contar as conquistas tributárias junto ao governo.

Seu sucesso à frente da entidade encerra duas lições. Em primeiro lugar, prova que trabalho duro dá ótimos resultados. Em segundo lugar, que o setor náutico no Brasil conta com um enorme potencial de crescimento, com os estaleiros nacionais produzindo embarcações com preços competitivos e qualidade equivalente à dos concorrentes internacionais, como você confere na entrevista a seguir.

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2020 foi mesmo um ano de saldo positivo para o setor náutico no Brasil?

Eduardo Colunna: Foi, sim, um ano para comemorarmos, apesar de todas as adversidades. A gente vinha de crise, de anos sucessivos de declínio nas vendas. A pandemia deu um impulso inesperado ao mercado náutico brasileiro.

O setor faturou R$ 761 milhões em 2020, contra R$ 634 milhões em 2019, o que significa um crescimento de 20%. De acordo com o DPC da Marinha, o número de habilitações saltou de 973 mil, em 2019, para 1.013.000 habilitações em 2020, somando-se arrais amador, motonauta, mestre amador e capitão.

No mesmo período, o número de barcos registrados, ativos, foi 670 mil para pouco mais de 690 mil.

Qual é a explicação para esse fenômeno?

EC: A mudança de hábitos, provocada pela pandemia de coronavírus. Depois dos primeiros momentos de apreensão, sem poder viajar para fora do país e com a freada das atividades culturais, o consumidor passou a ver os barcos como um lugar seguro para fugir da pandemia, com a família usufruindo de um ambiente totalmente saudável.

E, com mais tempo para pesquisar, e para navegar, descobriu que trocar de barco podia ser um bom negócio. Com isso, o setor náutico foi um dos primeiros a reagir.

Como foi possível continuar produzindo, e vendendo, em meio às restrições trazidas pela doença?

EC: Passado o primeiro impacto, passado o susto, cada estaleiro tomou medidas de preservação da fábrica, de preservação das pessoas. Não tem robô na produção de barcos. Nosso grande diferencial é construir produtos artesanalmente, mas sem deixar de empregar as mais modernas tecnologias.

Depois, foi necessário vencer o desafio da logística. Então, foi preciso se reinventar, se adaptar, aprender algo novo para entregar embarcações com cada vez mais qualidade, o que é ainda mais gratificante.

Como a Acobar está atuando nesse cenário cheio de desafios?

EC: O atual cenário do mercado náutico exige de nós uma atuação articulada e coordenada na defesa dos interesses das empresas associadas à Acobar, por um lado, e do desenvolvimento sustentável do mercado náutico brasileiro, por outro.

Nossa entidade é reconhecida mundialmente como interlocutora qualificada e representante de um setor em crescimento, que gera emprego e renda para milhares de brasileiros.

Qual é a expectativa para 2021? O clima ainda é de otimismo?

EC: No fundamental, sim. É razoável supor, no mínimo, um desempenho igual ao de 2020. O Brasil tem um potencial náutico gigantesco. Dispomos de tecnologia, competência, mão de obra especializada, uma costa com cerca de 9 mil quilômetros e 60 mil quilômetros de águas interiores navegáveis. Em suma, de um conjunto de ingredientes para fazer desse país um grande mercado de barcos.

É um crescimento sustentável?

EC: Muita gente diz que o ano de 2020 foi uma bolha, que não vai se repetir. Eu penso ao contrário. A chance da pessoa que pega um barco pela primeira vez… Quanto mais novo ele fizer isso, maiores as chances de ele ir trocando de barco, e ir mudando de patamar, subindo de tamanho.

Navegar é uma atividade apaixonante. O índice de pessoas que têm um barco e abandonam esse lazer é muito pequeno. É claro que estamos diante de um gráfico crescente. Haverá um pico e depois uma queda.

Mas quando as vendas caírem, já estaremos alguns degraus acima. Teremos realmente conquistado uma fatia maior de usuários náuticos, vencendo a competição com outras formas de lazer.

Como presidente da Acobar, quais são as suas metas para os próximos dois anos?

EC: Reclamar apenas não é mais um caminho. É preciso movimentar-se, sair em busca de soluções. Para esse biênio, iniciado em junho, eu e minha diretoria da Acobar estabelecemos uma série de metas a serem alcançadas.

Por exemplo: desenvolver ações para o melhor aproveitamento da infraestrutura náutica brasileira. Ou identificar fontes de financiamento para os estaleiros. Pretendemos, também, aumentar a base de consumidores por meio da campanha de incentivo ao primeiro barco, a VENHA NAVEGAR, e aperfeiçoar o projeto BROKER Acobar.

Além disso, estamos trabalhando para aprofundar a de certificação ABNT/Acobar, que serve para garantir que a produção é controlada e que os produtos estão atendendo as normas técnicas continuamente. Esse, aliás, é um dos nossos focos principais.

eduardo colunna

Quantas empresas já conquistaram essa certificação?

EC: Ainda não foram muitas, porque estamos em pleno processo de implantação desse selo de qualidade. Mas muitas empresas já deram o start. É um caminho longo, porque há uma série de etapas a serem cumpridas. As certificações são concedidas quando você consegue aprovação em um ou mais testes e atende às qualificações relacionadas.

Vamos supor que um determinado estaleiro construa dez modelos de barcos. Ele inicia o processo certificando três desses modelos da linha. Em seguida, certifica mais dois ou três. Assim, vai preenchendo a sua árvore, até certificar toda a sua linha.

O objetivo da Acobar é continuar estimulando os nossos associados a buscar essa certificação, e fomentar o maior número possível de adesões. Mas ninguém questiona a necessidade de se obter esse selo de qualidade como recurso de transformação produtiva.

A aceitação entre os nossos associados é unânime. É só uma questão de tempo para que a apresentação dessa certificação passe a ser obrigatória para o registro de um barco.

Quem ganha com isso é o consumidor…

EC: Todo mundo ganha. Recentemente, apresentamos esse projeto à Diretoria de Portos e Costas (DPC) da Marinha e a ideia foi muito bem recebida. Porque isso também auxilia eles.

Quanto mais bem construído o barco, menor o número de acidentes, menor os números de problemas para as Capitanias. O mesmo vale para as companhias de seguros, que também veem a certificação como um avanço importante. O objetivo é aprimorar os padrões de segurança e qualidade na construção de embarcações brasileiras, oferecendo aos usuários maior tranquilidade a bordo.

Como podemos classificar o nível de qualidade atual das embarcações brasileiras?

EC: Podemos dizer que nossos barcos hoje não devem nada aos importados, em nível de excelência. É preciso lembrar que lá fora há a chamada economia de escala, o que favorece o retorno do negócio — quanto maior a produção, menor o custo unitário —, enquanto a nossa indústria depende muito da importação de equipamentos, como motores e acessórios.

Ainda assim, nossas empresas continuam investindo em inovação e não deixam de investir em inovação, produzindo barcos com o padrão de qualidade dos melhores importados, em termos de tecnologia e design.

O Brasil tem potencial para se transformar em exportador de barcos?

EC: Com a alta do dólar, que favorece exportações, as projeções são otimistas. Já temos pelo menos meia dúzia de estaleiros atuando no mercado externo, apesar de também importarem componentes essenciais à sua linha de produção, em regime especial de drawback.

Um bom exemplo disso é a Schaefer Yachts, que tem representação nos Estados Unidos e barcos navegando em países de tradição náutica, como Noruega, Itália e Suécia.

Até aqui, quais foram os resultados da campanha Venha Navegar, criada para aumentar a base de consumidores?

EC: Fizemos essa campanha em parceria com a americana NMMA (National Marine Manufacturers Association) que, na tentativa de ajudar o setor, introduziu um programa semelhante nos Estados Unidos depois da crise de 2008.

E, assim como lá, deu bons resultados no Brasil, especialmente no Rio Boat Show 2012, realizado no Píer Mauá, quando foi feita uma boa divulgação. Agora, com a pandemia, estamos vendo a chegada de muita gente nova ao setor.

As pessoas estão descobrindo que o barco é uma opção muito boa de lazer. É assim que se forma uma cultura náutica, com a chegada de gente nova. Estamos diante de uma ótima oportunidade de fortalecer o setor.

De quanto é a atual carga tributária em cima dos barcos?

EC: Atualmente, graças ao trabalho técnico e político da Acobar, a carga do IPI é de 10% e a do ICMs varia entre 3,5% e 7% nos polos produtores. Ao longo dos 45 anos da Acobar, que serão comemorados este ano, conseguimos uma redução significativa na alíquota do IPI em cima dos barcos, que já foi de absurdos 50%, e do ICMs, que era de 25%.

Isso só foi possível com o reconhecimento de que a indústria náutica também movimenta a economia e gera milhares de empregos, diretos e indiretos. Para se ter uma dimensão disso em números, cada barco produzido gera oito postos de trabalho, sendo cinco empregos diretos e três indiretos.

Segundo um estudo de 2018 encomendado à Lidera Consultoria pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, uma instalação de apoio náutico com 300 embarcações tem impacto direto, indireto e induzido de R$ 141 milhões por ano na economia local e garante 780 postos de trabalho.

Sem contar que a redução de tributos gera ganhos de arrecadação para os estados que concedem esses descontos. Ao abrir mão de uma parte do imposto, o estado permite que as empresas reduzam seus preços e ganhem competitividade.

Você vende mais, o estado arrecada mais! Esse é o segredo da coisa. Não por acaso, Santa Catarina se transformou no polo náutico brasileiro com maior número de fabricantes. O Pró-Náutica lá é lei.

Como resolver o impasse da falta de vagas nas nossas marinas?

EC: A infraestrutura náutica é a base para o crescimento do mercado. De acordo com o número de embarcações registradas pela Marinha do Brasil, existe no país um déficit de 55.580 vagas para embarcações em instalações de apoio náutico. Mas, além dos 9 mil quilômetros de costa, nós temos 60 mil quilômetros de águas interiores navegáveis. Então, temos espaço para crescer.

Com que estrutura náutica o Brasil conta atualmente?

EC: Segundo o último levantamento feito pela Acobar, o país soma acerca de 480 estruturas regulares de apoio náutico, entre iates clubes, marinas e garagens náuticas, que oferecem cerca de 39.000 vagas secas e 7.000 vagas molhadas.

A região sudeste concentra aproximadamente 50% da frota de embarcações de esporte e recreio e 52% das estruturas de apoio náutico do país. Para atender à demanda reprimida, é necessário um investimento privado de R$ 2,5 bilhões, segundo o mesmo estudo realizado pela Lidera Consultoria.

Esse investimento produziria um impacto adicional na economia brasileira de R$ 25 bilhões ao ano, e na geração de 140.000 empregos. Para viabilizá-lo, a Acobar faz trabalho junto à esfera do governo mostrando que somos defensores do meio ambiente, e não agressores. A qualidade das águas, que representa um fator de saúde, é uma das nossas bandeiras.

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