Cozinhando a bordo

Por: Redação -
25/03/2015

Dessa vez vou escrever sobre algo que é extremamente útil não só para quem vive a bordo como também para quem busca uma vida sustentável e econômica.

Eu sempre escrevo aqui que viver em um veleiro requer muitas adaptações no cotidiano. A quantidade de água e energia são limitadas, o espaço para roupas, acessórios, sapatos e até utensílios de cozinha é restrito e os hábitos a bordo não devem ser um martírio, mas sim uma nova forma de viver. Os valores mudam.

Na comunidade de cruzeiristas parceria é algo presente a todo momento. Nas rodas de net pelo VHF o que mais se ouve é: “Tenho uma peça a mais de tal equipamento, quem precisa ou quer trocar por outro objeto…”. E nesses casos não importa o preço e sim a necessidade que faz o valor de cada coisa trocada. São trocados não só produtos como também serviços, alimentos e até mesmo favores.

Uma vez lembro que a pá de nosso leme de vento havia quebrado. Estávamos em Miami. Não tivemos dúvida, eu e D. anunciamos no rádio e não demorou nem uma hora para um gringo aparecer com uma pá novinha e aceitar duas garrafas de vinho em troca. Quase um escambo!

Mas esse não é o tema central dessa coluna. Hoje quero falar de cozinha. Sim! A cozinha de um barco é uma das partes mais planejadas de uma embarcação. Especialmente em um veleiro. Durante uma travessia o maior desafio é levar quantidade suficiente de comida, que dure o máximo possível e que tenha uma variedade de sabores e nutrientes.

Ao longo de minha vida a bordo peguei muitas dicas com amigos que também se adaptavam durante os dias no mar ao pequeno espaço e à restrição de água, gás e energia para cozinhar pratos não menos saborosos e nutritivos. Agradeço a cada um dos autores e navegadores que me inspiraram com seus livros, como Helio Setti Jr, Marçal Ceccon, Yamandú Villalba e a ex-dona de meu barco Jeannette Deale.

Bom, em relação ao que comer a bordo, a primeira coisa que se pensa é: “vamos pescar! Afinal temos peixe à vontade”. Ter um livro a bordo com especificações dos peixes das regiões é muito útil. Eu mesma já desisti de comer uma barracuda pequena depois de saber que os exemplares menores podem passar uma doença que durante uma travessia pode não ser muito agradável.

O segredo para vencer o desafio do viver com pouco é se adaptar aos novos limites.

O freezer é luxo em um veleiro devido a quantidade de energia que o mesmo gasta. Muitas vezes somos obrigados e nos abastecer de alimentos que ficam conservados mesmo longe de refrigeração. Como é o caso dos grãos e enlatados.

Os grãos como arroz, milho, lentilha e feijão duram muito. Basta colocá-los em potes de plástico e fechar firmemente. Uma boa dica para conservá-los é colocar duas folhas de louro a cada 4 dedos de grãos. Pode-se usar também no lugar do louro um dente de alho com casca que tem propriedades antibactericidas e antifungicidas.

Uma dica para cozinhar feijão e gastar pouco gás é deixar de molho na garrafa térmica durante a noite. Na manhã seguinte, estará quase cozido. Uma boa dose de criatividade na cozinha garante ajuda no aproveitamento dos alimentos.

Os enlatados podem ser armazenados no porão, mas o ideal é tirar os rótulos e escrever o conteúdo na tampa com tinta esmalte, pois depender do rótulo em ambiente úmido pode não ser muito legal.

Sobre o pouco espaço, vasilhas quadradas ocupam menos espaço que as redondas, panelas e frigideira devem ter tamanhos ideais para se encaixarem uma dentro da outra. As paredes ao redor da cozinha devem ser aproveitadas para suportes de copos, xícaras, facas e utensílios bastante usados.

A economia de água na cozinha pode ocorrer lavando a louça com água salgada e só depois de seca, utiliza-se um pulverizador com água doce, desses usados para produtos de limpeza.

Frutos do mar, arroz e raízes podem ser cozidos com água do mar. A mesma água que cozinha a batata pode cozinhar o arroz.

Não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar ou jogar alimentos que estragarem, por isso a criatividade é fundamental. Os pães que ficam frescos apenas nos primeiros dias de uma travessia, quando duros e secos, bastam ser umedecidos na casca e colocados no forno, ficam como frescos. Quando ninguém mais suportar o pão velho, pode-se fazer farinha de rosca obtida a partir de torradas.

Ovos podem durar até três meses. Depois de lavar a casca do ovo, passa-se vaselina em cada um para evitar a penetração de bactérias.

Uma das verduras que mais dura é o repolho. O ideal é ir desfolhando à medida que se vai consumindo. Dura mais se enrolado em papel de alumínio. Até três semanas.

Tomates comprados verdes e embrulhados em papel de alumínio, colocados em local fresco, também duram de duas a três semanas.

As cebolas precisam estar com casca para durarem mais. As batatas compradas devem ser as secas, sem lavar.

Um aperitivo que aprendi a bordo e até hoje faço em casa é assar a casca da abóbora com sal, fica crocante e deliciosa. Aliás, a abóbora também é ótima para ter a bordo, dura meses.

Para as bananas durarem mais, o cacho deve ser pendurado como fica na bananeira, de cabeça para baixo. Secar bananas fatiadas no sol também é uma boa para fazer banana seca, mas deixe apenas durante o dia pois o sereno da noite as umedece de novo.

Prefira a manteiga sem sal em lata que dura mais sem refrigeração. Queijos podem ser consumidos até o cheiro ou aparência ficarem insuportáveis.

Na questão da bebida, a dica é beber o que ocupa menos espaço. Cerveja geralmente é consumida em maior quantidade. Sendo assim, que tal optar pelo rum? Não é à toa que rum é bebida de marinheiro!

Hoje estou aqui, amanhã não sei!

 

Marcela Rocha é instrutora de mergulho, jornalista, locutora de rádio, velejadora nas horas vagas e, acima de tudo, muito feminina

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