Tempo de navegar
Artigos inspirados em publicações estrangeiras, geralmente colocam em pauta uma matéria que aconselha as pessoas a docarem seus barcos nesta época, realizando reparos e outras atividades que mantem o barco e seus navegadores longe do mar.
Meu ponto de vista é contrário a eles. Prego que o Inverno é uma das melhores épocas para se navegar, pois com um número menor de barcos, veleiros e barcos de cruzeiro a motor, é possível navegar em paz, sem ter de enfrentar marolas causadas por lanchas rápidas e mal-educadas, ou a bagunça causada por gente fundeada nas proximidades com o som nas alturas, além de outros exageros de que somos vítimas durante a época mais “quente” do ano, em todos os sentidos.
Podem dizer que o tempo piora, e isto é verdade até certo ponto, pois as frentes frias são bem previsíveis nos bons mapas meteorológicos, e podemos nos preparar antecipadamente, procurando um bom abrigo e realizando um cuidadoso e bem seguro fundeio. Quando a frontal chegar, você vai estar deitado com um livro no colo e um chocolate na caneca, e não vai ter de enfrentar uma tempestade de verão em um fim de tarde, que chega sem aviso e sem noção, com fortes rajadas ciclônicas, que jogam o barco num círculo de vento, que te arrasta em qualquer direção.
No inverno, o sol é mais amigo, e o barco não fica tão quente. As noites são frias, e os cobertores ganham a vez de trazer aconchego, pois no verão nem o ar condicionado resolve, como o verão de 2014, que foi dos mais rigorosos da história. Antes dele, usávamos a expressão “rigor”, apenas para o inverno, mas este ano a coisa foi alucinante.
Porém, se não fazemos os reparos agora, quando iremos colocar o barco em ordem? Eu aconselho que o faça na Primavera, uma estação bonita no nome e que lembra abelhas voando de flor em flor, mas no mar a coisa fica realmente confusa. As frentes que no Inverno obedecem a uma ordem natural e previsível, na Primavera surgem aleatórias e seguidamente de qualquer ponto do litoral Sul, ganhando velocidades ciclônicas, e lançando ressacas imensas sobre nossa costa, tornando o ato de navegar em um, quase, sofrimento.
Dizer que todo o nosso litoral é bom no inverno não é correto, pois nossa costa Nordeste sofre com fortes ventos e chuvas; ressacas inacreditáveis invadem a Baía de Todos os Santos e ventos como o Pampeiro, o Minuano e o perigoso Carpinteiro, atazanam com a vida dos gaúchos e catarinenses — os pobres pescadores profissionais que o digam. Porém, na região da Baía da Ilha Grande, você tem como aproveitar, sem grande estresse, os excelentes abrigos encontrados em locais como Paraty-Mirim, Saco do Céu e Sitio Forte, além de outras enseadas menos cotadas, porém muito protegidas não só pelo abrigo do vento, mas pela qualidade da tensa (fundo do mar) que é muitas vezes de lama, e segura a âncora como num grude salvador.
Nesta época, além das vantagens já mencionadas, encontramos vagas nas excelentes marinas da região, com o fim do defeso do camarão rosa o cardápio recebe um reforço muito bem-vindo e o clima, se não pede uma calefação, certamente acata bem uma sopinha e uma garrafa de um bom vinho.
Faz quase trinta anos que navego profissionalmente, e poucos lugares dentre os que eu conheço se aproximam ou se assemelham a Baía da Ilha Grande, quer seja como beleza natural, quer seja como o excelente recorte do litoral ou mesmo a profundidade média e qualidade da água ou da já comentada tensa.
Se for navegar em Angra dos Reis, esteja certo de que se estiver chovendo, o azar será todo da chuva!
Navegue por prazer,
Navegue com prazer,
Navegue o ano todo!
Alvaro Otranto é navegador de longas travessias, um dos mais antigos colaboradores da revista Náutica e criador da Moana Livros, primeira livraria na internet especializada em temas de mar e aventura.
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