Náufragos
Na história da humanidade, não se tem ideia exata de quantas almas se perderam nos oceanos, rios e lagos do mundo. Milhares por certo, talvez milhões. Desde o primeiro homem pré-historico que se aventurou a atravessar um rio ou um braço de mar, muitas e muitas almas se perderam. Por isso, fiz uma seleção de alguns naufrágios que, apesar de grande sofrimento e algumas tragédias, trouxe de volta ao nosso convívio alguns de seus participantes, porém outros tantos se perderam, infelizmente. A ideia é analisar de forma mais “seca” cada evento, para que dele possamos tirar procedimentos e comportamentos que venham a nos auxiliar em alguma situação de perigo.
Vale pensar que um acidente raramente tem uma única causa. A maioria é um somatório de eventos, alguns causados pelo fator humano, outros pelo clima e alguns por falhas do material, mas muito raramente por um só motivo. Com eles podemos aprender importantes lições e a melhor delas é que precisamos nos manter conscientes de nossas dificuldades e estar sempre preparados para o pior. Afinal, como alguém poderia sobreviver a uma situação tão extrema? Isto depende, sim depende de quão preparada para enfrentar esta situação uma pessoa pode estar.
Antes da leitura, vale lembrar que uma regra básica levantada pelos estudiosos é que no mar, você sobrevive apenas três horas sem um abrigo flutuante (boia, colete, tambor, etc), três dias sem água e a no máximo três semanas sem comida. Alguém duvida?
4 dias: Brad Cavanagh and Deborah Kiley
Em um dia ensolarado no final do outono de 1982, um veleiro partiu numa rotineira viagem entre o Maine e a Flórida. Eram cinco tripulantes, praticamente desconhecidos entre si. John Lippoth e sua namorada Meg Moony, Mark Adams, Brad Cavanagh e Deborah Scaling Kiley. Diferenças de caráter e comportamento logo apareceram, devido ao abuso de álcool do capitão e alguns tripulantes, além da falta de comprometimento quase que geral, com o trabalho de bordo.
No segundo dia de navegação o tempo começou a piorar e ao cair da tarde os ventos batiam nos 60 nós e as vagas alcançavam mais de cinco metros de altura. Brad e Deborah enfrentaram o primeiro quarto da tempestade, permanecendo cerca de onze horas no cockpit, enquanto os outros dois tripulantes e o capitão bebiam na cabine. Quando John e Mark recobraram certa sobriedade, renderam os dois na vigilância, e Deborah e Brad finalmente puderam descer para algum descanso. No meio da noite foram acordados, enquanto vozes em panico alertavam que o barco estava afundando, foi quando perceberam que John e Mark haviam abandonado seu posto, e desceram para dormir, deixando o barco sem suporte.
Ao lançarem a balsa salva-vidas, a mesma foi carregada pelo forte vento deixando-os apenas com um bote zodiac de apoio como opção, este mesmo foi muito difícil de ser manobrado. Ao abandonar o Trashman, Meg ficou presa nas ferragens abrindo grandes e profundos ferimentos nos braços e pernas. Como o vento era muito frio e cortante, decidiram emborcar o bote, e ficaram todos por baixo dele, dentro da água que estava ao menos 15 graus mais quente que o ar. Durante 18 horas permaneceram mergulhando para dentro e para fora do bote, para conseguir respirar, enquanto a tempestade continuava soprando com violência.
No dia seguinte, a tempestade amainou e puderam colocar o bote em sua posição normal, subindo para o interior do mesmo. Ao fazê-lo, puderam identificar centenas de tubarões ao seu redor, percebendo que não eram chutes que haviam sentido durante o tempo dentro d’água, mas sim focinhadas de tubarões.
No terceiro dia, as lacerações de Meg tomaram conta de seu organismo, e ela ficou deitada em estado catatônico, sem reação por horas. Naquela noite, Mark e John começaram a beber água do mar, tornando-se cada vez menos coerentes e confusos mentalmente. John foi o primeiro a partir, ao dizer que podia ver terra e que iria buscar cigarros, escorregou pela lateral do bote e nadou uma pequena distancia desaparecendo na noite. Ouviu-se então um grito e depois apenas silêncio. Por volta da mesma hora, o delirante Mark disse que precisava se refrescar e saltou para as águas infestadas de tubarões. Houve então uma forte movimentação ao redor do bote, e a água se tornou vermelha de sangue, quando Mark desapareceu por completo.
Na quarta noite, Meg faleceu devido aos ferimentos, sendo lançada na água. Pouco depois do amanhecer Brad e Deborah avistaram um barco vindo em sua direção, que realizou seu resgate.
OBS: Um período tão curto de deriva não poderia resultar em um fim tão trágico, o total despreparo das pessoas envolvidas e a falta de liderança do capitão, foram os motivos que mais chamaram nossa atenção.
6 Dias: Troy e Josh
Em um 25 de Abril, Josh Long (17) e seu melhor amigo Troy Driascoll (15) decidiram sair para pescar em um bote. Ao se lançar, não levaram em consideração as bandeiras de aviso de correnteza forte assinaladas na praia. O bote foi puxado para longe e, em seu esforço para remar de volta, Troy acabou largando seu remo, irritado, jogou suas iscas e material de pesca na água em um desabafo.
Assim iniciaram sua dura jornada sem comida, água e sem meios para consegui-las. Como o barco não possuía cobertura ou qualquer abrigo, tinham apenas as roupas para se proteger da forte insolação. A fim de reduzir o calor, passaram a dar alguns mergulhos, mas a aparição de um tubarão fez com que parassem.
Eles assim ficaram por seis dias inteiros, sem água ou alimento. No sexto dia, quando já haviam escavado mensagens de adeus a seus familiares no interior do bote, avistaram um barco, que os salvou. Após o resgate foram levados para um hospital, onde foram constatadas severas queimaduras e desidratação. Os médicos disseram que o estado de Troy era o pior, e que não viveria mais do que algumas horas.
OBS: Adolescentes aprontando sem noção dos perigos. Sem mais comentários.
12 dias: Amanda Thorns e Dennis White
Amanda Thorns (25), seu pai Willie (64) e o padrinho Dennis White (64), partiram de Cape Cod a bordo do veleiro Emma Goldman de 45 pés, no início de novembro de 2009. Mesmo já tendo velejado muitas vezes pela região, aquele seria o batismo dela em águas profundas, e planejavam singrar até a Ilha de Bermuda.
Ao meio-dia, uma tempestade atingiu o barco obrigando-os a se esconder na cabine, enquanto aguardavam que o pior passasse. Na quarta noite, com a tormenta ainda forte, o capitão Thorns ficou de vigília enquanto Amanda e White tentavam dormir na cabine. Enquanto enfrentavam ondas de 10 metros de altura, uma onda maior ainda envolveu o barco todo, fazendo-o capotar. O mastro, todo o estaiamento e o capitão preso a linha de vida foram arrancados e lançados ao mar. Eles tentaram tudo para puxá-lo novamente para o barco, mas uma nova capotagem fez com que o cabo partisse e ele fosse levado pelas vagas.
Pelos três dias seguintes tentaram se recuperar da enorme perda, e sem energia ou qualquer equipamento de comunicação passaram a utilizar os foguetes sinalizadores, na esperança de serem vistos por algum navio de passagem na área, porém sem sucesso.
Dez dias após a perda do capitão, conseguiram montar o mastro de apenas três metros do barco de apoio em um tipo de mastreação de fortuna e conseguiram velejar cerca de 50 milhas no primeiro dia, tentando chegar às rotas comerciais. No segundo dia, conseguiram ser vistos por um navio petroleiro, que os salvou. No dia 21 de novembro, chegaram à Bermuda, muito abalados pela perda do pai e melhor amigo, porém aliviados por estarem vivos.
OBS: Novembro, em pleno outono, costuma ser um mês extremamente instável no litoral norte-americano, e cuidados redobrados são indicados. Se propor a uma aventura nesta região e nesta época do ano foi sinal de excesso de confiança.
Daremos sequência a esta lista, esticando o prazo de mar pouco a pouco, até chegar ao nosso recordista atual e sua historia confusa.
Alvaro Otranto é navegador de longas travessias, um dos mais antigos colaboradores da revista Náutica e criador da Moana Livros, primeira livraria na internet especializada em temas de mar e aventura.
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