Náufragos II
Nesta semana, seguimos com nossa lista de sobreviventes, agora, com algumas ocorrências durante a Segunda Guerra. Sabemos, porém, que centenas de outras devem ter ocorrido, mas seus participantes não lograram exito e infelizmente não temos seus relatos salvos ou registrados.
20 dias: Sessenta e sete marinheiros britânicos miraculosamente sobreviveram por 20 dias, durante a Segunda Grande Guerra, quando seu navio foi torpedeado por um submarino alemão. Eles derivaram por 1 200 milhas em quatro barcos salva-vidas com apenas biscoitos, uvas passas e peixe cru pescado com as mãos. Com apenas três mortos, vieram dar na costa de Antigua, em fevereiro de 1943. Porém, para que esta conta feche, a corrente deveria manter a velocidade de 2,5 nós durante todo o tempo, o que é muito pouco provável. Outro náufrago, Steven Callahan precisou de 76 dias para derivar 1 800 milhas nesta mesma região. O mais provável é que a posição do naufrágio do navio não tenha sido bem determinada, quer seja pelos recursos da época, quer seja por esta informação não ser de conhecimento geral da tripulação, ainda mais durante a guerra. A maior virtude foi o número de sobreviventes e as pouquíssimas perdas. Coisas da disciplina britânica, já registrada em outras ocasiões, como na fantástica história do Endurance.
20 dias: O piloto militar Eddie Rickenbacker e sua tripulação faziam um voo do Havai para uma base no Pacífico Sul quando seu avião caiu no oceano. Os oito tripulantes sobreviveram por 20 dias em três balsas infláveis com apenas algumas barras de chocolate, um punhado de laranjas e uma linha com anzol. Durante o tempo à deriva, perderam apenas um membro do grupo devido à fome.
Os mais impressionantes sobreviventes dos “tempos modernos”
38 dias: Dougal Robertson
Com a esposa, três filhos (um de 18 e gêmeos de 12 anos) e ainda um carona, perderam seu barco – Lucette – após colidirem com um grupo de baleias, quando estavam próximos às Galápagos. Conseguiram lançar sua balsa e um pequeno barco de apoio, no pouco tempo que tiveram para abandonar seu barco de madeira. Após a deterioração da balsa, acomodaram-se apenas no bote Ednamair, com uma armação de fortuna, e rumaram de volta para a América do Sul, utilizando conhecimentos bastante apurados de navegação.
Neste período, se alimentaram de algumas aves, peixes voadores e de várias tartarugas, o que lhes salvou a vida. A pouca água que salvaram do naufrágio logo acabou e eles puderam suprir esta necessidade com as chuvas. Após 38 dias de um misto de deriva e navegação, foram salvos por um atuneiro japonês, que após quatro dias de viagem os desembarcou em Balboa. Depois de recobrarem o mínimo de saúde, embarcaram em um navio de volta à Inglaterra. O Sr. Robertson era Capitão de Longo Curso aposentado e, mesmo com uma navegação sem aparelhos, bússola ou sextante, seria capaz de levar sua família para o litoral da América Central em mais dez dias de navegação, se nada mais de errado acontecesse.
OBS: Ele é autor de um livro extremamente valioso para quem pretende navegar em mar aberto. Sua leitura preparou, e até mesmo salvou, muitos de seus leitores-navegadores. Infelizmente, nunca foi publicado no Brasil, e apenas uma edição portuguesa foi comercializada por aqui, cerca de vinte anos atras, com o título Sobrevivendo ao Mar Cruel.
40 dias: Tami Oldham Ashcraft
Ela, com 23 anos, e seu noivo, Richard Sharp, realizavam o transporte de um barco entre o Tahiti e San Diego, quando à meia distancia de seu destino foram apanhados por um furacão categoria quatro.
Devido às péssimas condições de tempo, seu barco acabou emborcando, fazendo-a desmaiar. Quando voltou a consciência, descobriu que o barco havia adriçado sozinho e, também, que seu companheiro havia desaparecido, devido ao rompimento de sua linha de vida.
Ela conseguiu montar uma vela de fortuna e navegou para o Havai, distante mais de 1 500 milhas de distância, completando sua jornada cerca de 40 dias depois do acidente.
OBS: Tragédia pura e sobrevivência através de uma armação de fortuna, demonstrando organização e preparo da sobrevivente.
50 dias: Os garotos de Fiji
Quando Samu Perez (15), Filo-Filo (15) and Edward Nasau (14) decidiram remar do Atol de Atafu para casa, em um pequeno bote de metal, num dia 5 de outubro, eles não tinham ideia do que poderia acontecer.
Arrastados por uma forte correnteza, desapareceram no oceano e, após buscas numa área de mil quilômetros quadrados, foram dados como mortos, tendo reunido mais de quinhentos parentes a amigos em um serviço funeral.
Durante os cerca de cinquenta dias à deriva, comeram peixe cru e gaivotas, beberam água de chuva e do orvalho que se acumulava na tolda da pequena embarcação. A poucos dias de seu resgate, passaram a beber água do mar, pois nada mais havia para aplacar a sede dos três.
No final de novembro foram avistados e resgatados por um atuneiro nas proximidades de Fiji, haviam derivado mais de oitocentas milhas. Sem conseguir se sustentar sobre as pernas, foram levados a um hospital, onde foram tratados de desidratação, anemia profunda e seríssimas queimaduras de sol, antes de retornarem às suas famílias.
76 Dias: Steven Callahan
Steven Callahan, um experiente navegador, arquiteto naval e hábil inventor, partiu a bordo do veleiro que havia projetado e construído, o Napoleon Sollo, de apenas 23 pés, das Ilhas Canárias rumo às Bahamas. Uma semana após sua partida, numa noite de ventos fortes, seu barco atingiu algo, possivelmente uma baleia ou contentor, e naufragou em poucos minutos. Ele conseguiu, ainda, reunir alguns suprimentos, antes que o barco desaparecesse da superfície, como um saco de dormir, dois destiladores portáteis, um arpão de elástico, uma faca, alguma água e uma cópia do livro Sea Survival, de Dougal Robertson.
Sabendo que ninguém daria falta dele por algumas semanas, passou a se dedicar à sobrevivência. Por 76 dias, ele seguiu por 1 800 milhas na deriva, ao sabor dos ventos e das correntes através do Atlântico. Pescou doze dourados, doze cangulos, quatro peixes-voadores, capturou três aves e alguns quilos de cracas, além de caranguejos e outros pequenos seres coletados em algas do tipo sargaço. Sobreviveu com não mais do que meio litro de água destilada por dia, devido à pouca chuva desta região do oceano.
Sua balsa começou a afundar após 33 dias de utilização e a luta para mantê-la flutuando foi diária e muito penosa. Seu resgate se deu ao acaso, quando um barco de pesca de Guadeloupe se deparou com ele. Após uma rápida recuperação em um hospital local, partiu de carona num outro veleiro, a fim de retirar sua correspondência, que o aguardava nas Ilhas Virgens.
OBS: Seu livro, A Deriva, é referência de procedimentos de sobrevivência.
76 dias: Willlian (60) e Simone Butler (52)
Sobreviveram ao Pacífico, em 1989, após serem atacados por Baleias Piloto e verem seu veleiro de 40 pés, o Sibanay mergulhar nas profundezas do oceano. Ao lançarem a balsa, acabaram por furá-la e, à custa de muito trabalho e engenhosidade, conseguiram tampar os três buracos sofridos pela mesma, logo no primeiro instante, além de várias mordidas de tubarões sofridas nos dias que se seguiram. Eles derivaram por 1 200 milhas a partir do litoral da Costa Rica.
No tempo que tiveram para abandonar o veleiro, embarcaram alguns equipamentos que foram de primordial importância, como um dessalinizador portátil, que permitiu que produzissem água potável a partir da água salgada. Com o equipamento de pesca, e alguma habilidade, capturaram cerca de 250 Kg de peixes, permitindo sua sobrevivência.
OBS: Bom preparo e equipamento de qualidade os fizeram sobreviver.
89 dias: O Naufrágio do Essex
Em 1820, um grande cachalote pôs a pique um navio baleeiro norte-americano, o Essex, nas proximidades das Galápagos, lançando sua tripulação em três pequenas baleeiras, armadas com pequenas velas de fortuna. Com estes barcos, circularam pelo Pacífico tentando chegar ao litoral da América do Sul, pois temiam que os nativos da Polinésia os devorassem (uma meia-verdade), um dos barcos desapareceu nesta luta contra ventos e correntes. Parte da tripulação sobrevivente morreu de fome e sede, e alguns poucos acabaram sendo devorados ou mesmo sacrificados para servir de alimento para seus próprios companheiros de infortúnio. Uma história mais do que trágica, e que trouxe fatos chocantes à sociedade da época e ainda a atual. Herman Melville se inspirou no ataque para escrever Moby Dick, poupando seus leitores dos fatos que se seguiram.
OBS: O canibalismo já foi bem mais comum na história distante dos náufragos, porém durante a Segunda Guerra muitos sobreviventes utilizaram partes de seus companheiros como isca para pegar tubarões ou acabaram por comê-los enquanto tentavam sobreviver em suas balsas. O mais recente caso foi o dos “Sobreviventes dos Andes”, acontecimento que comoveu o mundo e a própria Igreja, nos anos 1980.
Na próxima postagem iremos derivar mais longe ainda, passando dos 100 dias de sobrevivência.
Alvaro Otranto é navegador de longas travessias, um dos mais antigos colaboradores da revista Náutica e criador da Moana Livros, primeira livraria na internet especializada em temas de mar e aventura.
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