Hotel flutuante oferece experiência de luxo navegando pelo mar do sul do Japão
Talvez você já tenha ouvido este conselho, ou dica de viagem: quando for ao Japão, não deixe de se hospedar em um ryokan, a tradicional e aconchegante pousada japonesa, com colchão de futon sobre o tatame e um banquete composto por uma infinidade de refeições, chamado Kaiseki. É a melhor maneira de experimentar as sutilezas da cultura do país, dizem os agentes de viagem. Você pode se hospedar em um ryokan secular, situado em um templo budista de 1 000 anos, por exemplo. Também pode se instalar em um ryokan moderno e luxuoso, com banheiras de água termal natural. Rústico ou sofisticados, de 1 a 5 estrelas, hotéis desse tipo existem aos montes na terra do Sol nascente. Mas nenhum como o Guntû, um ryokan flutuante — no caso, um cruzeiro de 266 pés, com uma vista de cortar a respiração — programado para que seus privilegiados hóspedes vivenciem a milenar cultura japonesa de forma autêntica.
Projeto do arquiteto Yasushi Horibe, o Guntû foi construído por três amigos de infância para celebrar a beleza, o artesanato e os sabores de sua cidade natal, Onomichi. O nome (“guntû”) é uma referência a uma espécie local de caranguejo, de cor azul. Parte da embarcação, de 19 suítes, é um ryokan e outra parte, um hotel de luxo. E a vista para o mar é garantida de qualquer um deles.
O que torna o Guntû especial é que, embora seja um barco com 81,2 metros de comprimento, ele atende poucos passageiros por vez. Bem poucos mesmo. Apenas 38 sortudos são admitidos em cada cruzeiro, com embarque em Onomichi, cidade portuária perto de Hiroshima. São mais de 20 itinerários diferentes, que variam de acordo com a data da saída, mas sempre dentro do Mar Interior de Seto, em viagens de dois ou três dias, movimentando-se entre as idílicas ilhas Setouchi (como Shodoshima, Kitagijima e a ilha de arte contemporânea Naoshima), que ocupam o sétimo lugar na lista do jornal The New York Times dos 50 melhores lugares do mundo para viajar.
Lançado ao mar em outubro de 2017, o Guntû é único. Seu design é diferente de qualquer embarcação de cruzeiro. A decoração é minimalista, com predomínio de madeira, em um tom suave, que transmite a sensação de serenidade. Por sua vez, a cor do casco varia de acordo com as condições do tempo ou a hora do dia. “Embora seja prateado, em um dia nublado o costado parece branco, misturando-se com a cor das nuvens e do mar. Já quando o sol da tarde se reflete, ele se harmoniza perfeitamente com a superfície vermelha da água”, explica o projetista Yasushi Horibe.
Chama atenção um espaço de madeira, no convés principal, coberto por um telhado. A inspiração veio das coberturas de titânio características das casinhas da região costeira percorrida pelo Guntû. Outro detalhe interessante é que tudo que se vê a bordo foi feito por artesãos da região. Os bancos de vime (inspirados em uma peça vintage) foram recriados por artesãos em Hiroshima. Os tecidos, tingidos com índigo local. Até o cardápio, com foco nos abundantes frutos do mar e carne bovina de Kobe, é local.
A experiência de navegar é igualmente ímpar. Como os motores são elétricos, o barco desliza quase silenciosamente, na velocidade de cruzeiro, que é de 10 nós. A bordo, os sortudos passageiros encontram quase todos os ingredientes de um ryokan (o tradicional hotel japonês, lembram-se?), como banhos quentes em banheiras que imitam o “onsen” (água termal) e o sousaku ryori (culinária tradicional japonesa, que é preparada no próprio barco). Para ser um ryokan de verdade só faltam mesmo os futons estendidos sobre tatames (o estilo oriental de dormir), já que as suítes têm camas normais (estilo ocidental), com lençóis de um tecido macio confeccionado em Imabari, cidade japonesa localizada na província de Ehime.
Os 19 camarotes têm entre 50 e 90 m² e são divididos em quatro categorias. A maioria (14 deles) são chamados de Terrace Suíte, com janelas do chão ao teto, que proporcionam iluminação natural e vistas panorâmicas para o mar. Dois camarotes são do tipo “banho ao ar livre”, com janelas panorâmicas com vista para o mar a partir da banheira, além da varanda à beira-mar. Outros dois são chamados de Grand Suíte, com 80 m² de área e um terraço ainda maior. Por fim, a Suíte Guntû, uma cabine especial com 90 m² que ocupa toda a proa do iate, iluminada por janelas panorâmicas. Os preços chegam a 6 600 euros por noite, para duas pessoas.
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As mordomias a bordo são irrecusáveis. Como resistir a uma massagem relaxante, enquanto assiste-se ao pôr do sol no mar? O barco também oferece spa, sauna, academia e uma área para quem preferir apenas se sentar e apreciar a paisagem, saboreando coquetéis artesanais ou o matcha (um chá verde em pó) — o “mestre” do chá serve o matcha e doces típicos preparados na hora, de maneira tradicional, a partir de ingredientes cuidadosamente cultivados por agricultores locais.
Como na maioria dos navios de luxo, a oferta de comida é abundante. Você pode comer sempre que quiser, a qualquer hora, está tudo incluído na conta. Há variedade de pratos japoneses e até ocidentais, vindos da cozinha supervisionada pelo chef Nobuo Sakamoto, do Nobu, de Awajishima. O Kaiseki, famoso banquete japonês, pode ser degustado até mesmo no almoço.
Alguns pratos têm a assinatura do chef Kenzo Sato, do estrelado restaurante Shigeyoshi, em Tóquio. Já no espaço Engawa são preparados doces sazonais. Se o hóspede preferir, pode vestir um yukata (quimono japonês) e apreciar peixes frescos acompanhados por uma xícara de saquê. No sushi bar, um balcão com apenas seis lugares, o chef oferece ingredientes fresquíssimos. Ironicamente, talvez seja o único sushi bar do mundo que não serve salmão ou atum, peixes que não existem na região.
Parte dos atrativos desse cruzeiro está fora do barco. São as visitas às ilhas do arquipélago, onde se pode fazer uma caminhada matinal, dar uma de pescador por um dia ou participar de festivais locais, com temas que mudam ao longo das estações do ano. É a oportunidade também de conhecer os pequenos caranguejos azuis que dão nome à embarcação, os gundûs. Às vezes, esses crustáceos (que pertencem à família dos siris, como são chamados os caranguejos capazes de nadar) acabam nas redes colocadas pelos pescadores locais. Embora suas garras sejam fortes o suficiente para cortar as redes, nem sempre eles escapam. Não são especialmente carnudos, mas dão um caldo delicioso, chamado com o nome afetuoso de guntû.
São mais de 700 ilhas flutuando em uma paisagem marítima de 23 mil km² e 7 mil km de costa, na parte sul do Japão. Percorrer um roteiro como esse, a bordo de um iate de 266 pés que remete a costumes milenares do Oriente, é a melhor maneira de experimentar as sutilezas da cultura do país, como num típico ryokan.
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