Após 100 mil milhas navegadas, Silvio Ramos se despede do Matajusi e prepara aventura em terra

A bordo do famoso “Veleiro-Escritório”, ele deu volta ao mundo, inspirou velejadores e abriu as costas e rios do Brasil para o resto do globo

17/11/2025
Foto: Arquivo Pessoal

“Tudo tem um começo, meio e fim”. Assim Silvio Ramos começa a descrever a decisão de passar adiante um dos seus maiores companheiros de vida: o Veleiro-Escritório Matajusi. A bordo da embarcação ele viveu seu primeiro e mais emblemático capítulo na vela, com uma volta ao mundo que transformaria não só os seus caminhos, mas o de centenas de outros velejadores ao redor do globo.

Aos 77 anos, com mais de 100 mil milhas náuticas navegadas e tendo dedicado os últimos 20 anos de sua vida à vela por meio de inúmeros projetos, ele sentiu de maneira diferente o peso da responsabilidade de estar à frente do barco — e, principalmente, de ser o responsável por todos a bordo.

Eu tenho na cabeça que a gente deve parar enquanto ainda está tudo bem. Não quero me aposentar porque bati o barco ou por um erro de distração– explicou

Foto: Instagram @matajusi / Reprodução

Picado pelo bichinho da vela

Era ainda 2004 quando Silvio passou de “lancheiro” para “metido a velejador”, quando o “bichinho da vela” o picou em uma navegação guiada aos ventos com um nome conhecido do setor: Márcio Dottori. Não demorou para que ele alugasse o próprio barco e partisse para sua primeira aventura solo “sem saber direito o que estava fazendo”, como o próprio descreveu.

Foto: Instagram @matajusi / Reprodução

Senti uma liberdade total– relembrou Ramos

Em 2006, o Matajusi assumiu o posto de primeiro barco de Silvio Ramos. A embarcação chegou já com uma missão ousada: dar uma volta ao mundo.

Eu queria fazer um projeto que fosse extremamente complexo, que demorasse e requeresse muito estudo da minha parte, que fosse um desafio para mim– destacou

Entre os desafios estava continuar atuando como presidente de uma multinacional enquanto contornava o globo. Não à toa, muito antes do termo home office se popularizar, o barco ganhou o apelido de “Veleiro-Escritório”. “Eu usava rádio amador para mandar e receber e-mails, e quando estava perto da costa, me conectava em cafés com Wi-Fi usando uma antena especial. Foi assim que toquei a empresa por sete anos, navegando”, detalhou Ramos.

 

O agora, sim, velejador, concluiu a circum-navegação entre 2008 e 2013. Na chegada ao Rio de Janeiro, de volta ao Brasil, ele sequer hesitou ao mandar sua carta de demissão. “Eu tinha fechado um ciclo”, recordou. No lugar deste, porém, inúmeros outros estavam prestes a se abrir.

Transferência de conteúdos

Ramos chama carinhosamente o ato de repassar tudo o que aprendeu — e segue aprendendo — com a navegação como “transferência de conteúdos”. A premissa de “dica boa é dica compartilhada”, para ele, é essencial.

Foto: Instagram @matajusi / Reprodução

Assim nasceu, por exemplo, um de seus mais importantes trabalhos, voltado à preservação da memória dos circunavegadores nacionais. Silvio liderou a criação de um arquivo digital dedicado a preservar as histórias dos brasileiros que já contornaram o planeta. Com isso, ele espera garantir que suas experiências, rotas e legados sejam registrados e celebrados pelas futuras gerações.

Não existia um registro, um acervo que falasse dos circonavegadores brasileiros– destacou

Ainda nesse sentido, seu canal no YouTube, o “Papo de Circunavegador”, se tornou um ponto de encontro essencial para a comunidade de velejadores. O conteúdo inclui entrevistas, histórias e conselhos técnicos, em que o conhecimento é “transferido” por meio de conversas que acontecem como se os integrantes estivessem “tomando um chopp num boteco lá na Austrália”, como ele brinca.

 

Tudo isso sem falar, claro, das regatas que participa. Nelas, quem embarca junto com Silvio não deixa de se impressionar com suas habilidades no comando do Matajusi.


“Ficam impressionados com a os equipamentos do barco e com meu conhecimento em manobrar perto de navio, em situações de perigo de colisão”, detalhou ele, sem modéstia, afinal, poucas pessoas têm em mãos — 7 brasileiros, no total — a medalha da 1ª regata em volta do Cabo Horn, em 2019, com direito a um terceiro lugar.

Foto: Instagram @matajusi / Reprodução

O resultado, inclusive, poderia ter sido ainda melhor. O evento aconteceu enquanto Silvio e sua esposa, Lilian, passavam pela Patagônia. “Nosso voo de volta era durante a regata e não conseguimos finalizar. Ainda assim, fizemos bonito”, relembrou.

Ramos abriu as costas e rios do Brasil para o mundo

Uma iniciativa que integra a costa e os rios do Brasil ao circuito mundial de circum-navegação: esse é o Brazil Rally, ou “BRally”, projeto iniciado por Silvio Ramos em 2012 que conecta velejadores internacionais a comunidades brasileiras.

Foto: Filipe Bispo

Em 2021, a edição BRally Amazon reuniu 11 veleiros em uma expedição pioneira pelo Rio Amazonas, até Alter do Chão — um feito inédito na vela mundial. Na ocasião, os participantes conheceram de perto a “mais rica floresta de fauna e flora do planeta”, como definida em matéria sobre o assunto no Minuto Náutico. A rota incluiu visitas a praias, aldeias ribeirinhas e até fazendas de búfalos.

Em Soure, os participantes do Brally Amazon tiveram contato direto com búfalos criados na Ilha de Marajó. Foto: Filipe Bispo

O evento estimulou consideravelmente a visita de circunavegadores à costa brasileira. Em palestra no NÁUTICA Talks, durante o Rio Boat Show 2024, Silvio apresentou os números:

“Amazônia a vela: um cruzeiro de sonho pelo Rio Amazonas” foi o tema da palestra de Silvio Ramos no NÁUTICA Talks, durante o Rio Boat Show 2024. Foto: Revista Náutica

Para ele, o aumento da vinda dos velejadores estrangeiros ao Brasil se deu pelo BRally Amazon em 2021. Isso porque, após a experiência, houve uma divulgação em massa do evento, especialmente entre sites internacionais especializados e entusiastas da vela.

É o único evento brasileiro de vela que saiu na Yaching World– afirmou Ramos na ocasião

Da água para o asfalto

Silvio Ramos espera vender o Matajusi para alguém que planeje, assim como ele, contornar o mundo e seguir “transferindo conhecimentos”. “Se a pessoa quiser sair hoje, o barco está pronto”, apontou.

É um barco maravilhoso, está impecável, mas eu quero ter uma nova experiência de liberdade– revelou

Sua mais nova aventura consiste em comprar um motorhome e viajar pelos Estados Unidos, Alasca e Europa. A sensação de liberdade que experimentou sobre as águas agora deve passar a ter outro gosto, em terra firme. O mar, porém, seguirá sendo seu refúgio mais fiel, seu ponto de pertencimento no mundo, para onde deve voltar sempre que o vento soprar a favor.

 

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