Doutor Bruno: atleta olímpico dividiu rotina do kitesurf com medicina e mira ouro em Paris

Entre plantões médicos e velejadas, Bruno Lobo superou lesões e falta de apoio para estrear nas Olimpíadas de 2024

18/07/2024
(Da esquerda para a direita). Foto: Miriam Jeske/COB/ Divulgação. Foto: Instagram @brunolobo31/ Reprodução

Na vida, às vezes encontramos um grande amor justamente quando paramos de procurá-lo. Por mais que este começo possa parecer um início de história romântica, descreve bem a relação entre Bruno Lobo — médico e atleta olímpico brasileiro que estará em Paris — e o kitesurf, novidade nas Olimpíadas de 2024.

Desde criança, o coração de Bruno tem espaço para duas paixões: o esporte e a medicina. Contudo, em vez de escolher entre um e outro, o garoto de São Luís, no Maranhão, foi mais ousado e resolveu abraçar os dois, se dedicando não 50%, mas 100% a ambos — mesmo que lhe custasse um preço alto.

Foto: Instagram @brunolobo31/ Reprodução

E, ao que tudo indica, os frutos estão sendo colhidos. O atleta Bruno é o kitesurfista número 1 das Américas e um dos melhores do mundo. Enquanto isso, Dr. Lobo é formado pela Universidade Ceuma na área de ortopedia e traumatologia, além de ser especialista em cirurgia de joelho.

Foto: Instagram @brunolobo31/ Reprodução

Porém, como é de se imaginar, conciliar as duas rotinas não foi — e continua não sendo — uma tarefa simples. Em entrevista à NÁUTICA, o atleta olímpico e médico contou sobre essa intensa rotina e como os ventos sopraram sua vida para sua primeira Olimpíada.

Foto: Fabrício Souza/ Divulgação

Ponto e vírgula

Como o sonho de ser atleta começa muitas vezes na infância, com ele não foi diferente. Desde bebê, Bruno estava imerso no esporte, uma vez que tinha irmãs nadadoras — e o garoto seguiu o mesmo caminho.

 

Inclusive, foi nas piscinas que o menino chegou a disputar suas primeiras competições internacionais, ainda na adolescência. “Foi uma semente plantada na natação”, destaca o atleta.

Foi na natação que começou a questão do esporte de alto-rendimento e surgiu o sonho de ser atleta, representar meu país e assistir as Olimpíadas– explica Bruno Lobo

Entretanto, várias lesões em sequência levaram o garoto a colocar um ponto final nessa meta e se entregar à medicina, seu “segundo sonho”. De acordo com Bruno, a falta de um tratamento preventivo durante sua fase de crescimento acarretou nas contusões — que iam de tendinite no joelho a estiramento muscular no abdômen.

Foto: Instagram @brunolobo31/ Reprodução

Embora seu corpo pedisse o fim do sonho de atleta, seu coração ainda batia rumo às águas. Por ironia do destino, foi nesse meio tempo entre desistir das competições e decidir cursar medicina que o kitesurf apareceu na vida de Bruno Lobo — e para nunca mais sair.

 

“Comecei a fazer o kite por brincadeira, realmente por lazer, junto com meu pai. Ele começou primeiro e me convidou, e para mim era uma diversão. Eu praticava nos meus horários livres — durante o fim de semana ou quando saía da faculdade — e fui vendo que levava jeito”, contou à NÁUTICA.

Foto: Fabrício Souza/ Divulgação

Logo, o que parecia um ponto final se tornou um ponto e vírgula; a história continuaria. E foi nos torneios maranhenses que a estrela de Bruno Lobo começou a brilhar — mesmo que sem muita pretensão, segundo ele. Pouco depois, em 2015, já viria seu primeiro vice-campeonato de kite e, em 2016, o título nacional.

Um sonho olímpico

Como disse Bruno Lobo, o sonho de ser atleta voltou graças ao kite, mas ainda faltava algo: as Olimpíadas. Até então, o kitesurf não estava entre os esportes que eram disputados nos Jogos Olímpicos. Mas, em 2018, o Comite Olímpico anunciou que o Fórmula Kite faria parte da vela em Paris-2024.

Quando surgiu a possibilidade do kite entrar nas Olimpíadas, agarrei com todas as forças. [Falei] ‘esse é meu sonho e vamos com tudo’– relembra Bruno

Foto: Instagram @brunolobo31/ Reprodução

Embora esse sonho tenha falado mais alto, a medicina também acompanhava o, agora, kitesurfista. Vale ressaltar que Bruno Lobo treinava sozinho, sem qualquer apoio técnico e ainda conciliava os estudos de medicina com os treinos e competições. Apesar disso, com três meses, ele já estava entre os melhores de São Luís.

Como eu estava só, o começo foi muito difícil. Eu não tinha nenhuma referência, entrava no mar tarde e saia a noite, porque era o horário que eu tinha. Mas fui na cara e na coragem– recorda Bruno Lobo

Uma corrida contra o tempo

Foi em 2011 que a carreira de mão dupla de Bruno Lobo começou, ano em que deu início ao curso de medicina na Universidade Ceuma — e que só terminaria em 2017. Na época, ele morava perto da praia e contava com uma estrutura familiar que o ajudou muito.

Para treinar, eu ficava com meu equipamento dentro de uma carretinha, saía da faculdade, passava em casa para trocar de roupa, já pegava a carretinha e ia para a praia– explicou Bruno

Foto: Instagram @brunolobo31/ Reprodução

Os treinamentos costumavam ser no fim da tarde ou durante o horário de almoço — seu período livre — , sempre sozinho, até terminar a faculdade, em 2017. Mas quando Bruno foi fazer sua especialização em ortopedia, a rotina mudou.

Nesse período, eu já deixava o meu equipamento na praia, para facilitar. Lá a gente tinha a guardería numa escolinha de kite e meus equipamentos ficaram um pouco mais distantes– conta Bruno

Nessa rotina maluca, Bruno chegou a conquistar a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima, em 2019.

Como um lobo solitário

No último ano da especialização em cirurgia de joelho, Bruno Lobo teve que deixar sua terra natal e partir para São Paulo, tendo o Hospital Albert Einsten como sua residência. E, nessa altura do campeonato, já deu para entender que nem assim ele abdicou do kitesurf.

Foto: Sander van der Borch / World Sailing/ Divulgação

Muito longe de casa e treinando na Represa do Guarapiranga, a única companhia do atleta era sua moto. Com tempo muito reduzido, só restou a Bruno treinar na água aos sábados e domingos e, eventualmente, uma ou duas vezes na semana. No restante dos dias, ele praticava musculação e outros treinos paralelos.

Embora tenha enfrentado o rígido inverno daquele ano na capital paulista, Bruno disse que todo esse sacrifício valeu a pena. Afinal, o atleta nunca se enxergou em desvantagem pela correria de treinos, mas sim pela falta de suporte.

Foto: Fabrício Souza/ Divulgação

“A grande dificuldade foi estar sozinho. Ao fazer medicina, me propor fazer tudo isso, eu não tinha a possibilidade de viajar tanto. Então eu escolhi uma ou duas competições internacionais para competir e eu acho que isso teve um grande impacto”, contou à NÁUTICA.

Foi o que me fez realizar o esforço dobrado para poder chegar no nível que eu cheguei hoje. Todo mundo lá fora se surpreendeu, eles dizem ‘não sei como é que tu sozinho chegou nesse nível’

 

 

Mas hoje, o cenário é melhor. Se antes ele era o único do top 10 mundial de kite que não tinha suporte, neste ano Bruno conta com o apoio técnico do treinador português Gil Conde em sua preparação olímpica — embora o ideal seria que essa ajuda viesse antes, segundo o atleta.

Não deixei de conciliar com a minha formação, mas agora estou mais atleta do que médico

Tudo tem seu preço

Apesar de precisar correr — ou velejar — mais do que os outros para alcançar o mesmo lugar, Bruno Lobo disse não se arrepender dessa “jornada dupla” e que não “voltaria atrás” em sua decisão. Ele ressalta que a medicina não atrapalhou sua carreira como atleta.

Bruno Lobo no pódio, com a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2023, Santiago. Foto: Miriam Jeske/COB/Divulgação

“Foi por isso que eu não abri mão, tentei buscar a excelência nas duas coisas que eu estava me propondo e uma coisa foi puxando a outra. Eu tinha menos tempo para estudar do que os meus colegas, mas tentava otimizar e dar o meu máximo”, relembrou Lobo.

Passei em primeiro lugar geral na minha residência médica, com mais de 300 médicos, na Universidade Federal do Maranhão. Uma coisa que eu me orgulho é que eu não deixei a minha formação aquém

Há de se imaginar que em algum momento Bruno terá que abdicar totalmente de uma das suas paixões, certo? Na verdade, isso não é algo que preocupa o atleta e médico neste momento, que procura não pensar muito nessa decisão e estar em paz — embora deseje mais um ciclo olímpico.

 

“Não decidi ainda o que vai ser dos próximos passos. Eu acho que estou muito bem fisicamente e acho que tenho muito ainda para evoluir e entregar muito mais. [Olimpíadas de] 2028 é algo que penso e estou focado em 2024. Vamos viver um dia após o outro”, respondeu o atleta.

 

 

Com 30 anos de idade, ele se vê preparado para um ciclo de quatro anos, mas um terceiro amor — em ordem de chegada, não de prioridade — ocupa mais um espacinho no coração do atleta: seu filho, Isaac Lura, de 2 anos. Estar longe dele e de sua esposa, Rhanna Carvalho, é um “sacrifício” para Bruno, que busca fazer tudo valer a pena.

São Luís é muito longe da Europa. Uma ida é mais de 24 horas de viagem, é muito desgastante e a gente passa muitos dias fora de casa. Colocamos isso na balança– ponderou

Foto: Instagram @brunolobo31/ Reprodução

“Mas é uma paixão, um amor que a gente tem e enquanto eu achar que vou brigar por uma medalha vou continuar. A partir do momento que eu achar que não é isso que quero, vou ponderar tudo. Tenho minha carreira que amo muito, que é a medicina”, conclui.

Foto: Instagram @brunolobo31/ Reprodução

Embora renuncie a muita coisa, Bruno diz amar diariamente o kitesurf, estar em contato com a natureza e conhecer outros lugares. E, assim como todo atleta, sua marca maior pode não se resumir apenas a títulos, mas também ao seu legado para as futuras gerações.

Nem tudo são flores. Espero influenciar também outras pessoas, inspirar o kite no Brasil — que a gente tem um grande potencial. Quero plantar várias sementes, para que o esporte cresça no país

 

Por Áleff Willian, sob supervisão da jornalista Denise de Almeida

 

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