Com sucata, mecânico constrói barco à mão para ajudar ilhados no Rio Grande do Sul
Geraldo perdeu quase tudo na enchente, menos a vontade de ajudar ao próximo
Com um colete salva-vidas no ponto mais alto de sua casa, Geraldo da Rosa, 64, morador de Sarandi, em Porto Alegre (RS), via a água tomar conta de seu lar enquanto tentava resguardar o que conseguiu salvar. Mesmo que do alto, o mecânico não deixou de olhar para baixo. Lá de cima percebeu que, ainda que naquelas condições, podia ajudar. E a resposta veio, justamente, das águas.
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Seu lugar no topo não era de privilégio, mas de fuga. Buscava, de lá, manter em segurança o que, mais para frente, o ajudaria a recomeçar. Foi o que pensou no curto intervalo entre o início da tomada de sua casa pela água ao momento em que a esposa e o filho, a pedido dele, saíram para um lugar mais seguro, enquanto ele próprio ficou resguardado por um único colete salva-vidas. “Em último caso, eu consigo sair nadando”, justificou.
Eu sabia que tinha que ficar para cuidar do que sobrou, pois se abandonasse, seria roubado. Aí sim a vida não teria mais sentido para mim– explica Geraldo
Durante seis dias, suas noites foram iluminadas pela luz de velas. Até que, em uma manhã, o que viria a iluminar seu caminho apareceu boiando, nas águas que cobriam o bairro de Sarandi, onde Geraldo mora há 45 anos. Eram pedaços de isopor. Os objetos, ao mesmo tempo que carregavam as consequências de uma enchente sem precedentes, traziam, para Geraldo, uma solução.
Comecei a resgatar um por um e pensei ‘vou fazer um barco. Só assim posso sair daqui e ajudar quem precisa’– conta o mecânico
Durante três dias, o mecânico e eletricista — que mantém sua oficina junto de casa — trabalhou na construção da embarcação. Isopor, madeira, tiras de amarrar bicicletas e até formas de bolo foram usadas para montar a estrutura do barco.
Mas um item, em especial, exigiu de Geraldo uma atitude digna de um verdadeiro herói: o motor da embarcação. “Eu tinha uma roçadeira de grama a motor lá na oficina. Botei o colete e fui buscar. Eu sabia onde ela estava”, conta.
Tirei o colete e mergulhei. Trouxe ela, arrumei o motor que estava cheio d’água e botei para funcionar– explica Geraldo sobre o processo de construção
Após a instalação do motor e a finalização do barco com a ajuda de outro profissional, Geraldo não hesitou em começar a ajudar quem mais precisava — e é assim que ele tem visto os dias passarem. “Não contei quantas pessoas eu ajudei pois não faço por mérito e sim porque elas precisam”, ressalta o mecânico.
Vou guardar esse barco. Vai que um dia eu precise por conta de uma outra enchente. Com certeza estarei lá– afirma Geraldo
O dia de amanhã
Há 30 anos, Geraldo viu de perto uma outra enchente atingir o bairro de Sarandi. Na ocasião, ele conta que “a água chegou na minha quadra, mas não perdemos nada. Desta vez foi pior. Não acreditava que poderia subir tanto. Quando percebi, a oficina estava com 20 cm de água. Em pouco tempo, a água já estava a 1 m de altura”.
No início do mês de maio, Sarandi encabeçava a lista de bairros com mais moradores atingidos pela enchente em Porto Alegre. A expectativa de Geraldo, agora, é conseguir “limpar um pouco a casa”. Segundo ele, por lá só restaram talheres, copos e pratos. “Vou ver se compro uma cama e um armário. Tem um fogareiro e o gás, já dá para recomeçar”, relata.
Hoje eu vejo a vida diferente. Amar ao próximo, perdoar e, se tiver condições, ajudar– finaliza Geraldo
Comunidade náutica unida em solidariedade
Além da ação de Geraldo — que entrou pelo próprios meios ao mundo náutico para ajudar quem mais precisa –, outras pessoas e empresas se mobilizaram para ajudar o Rio Grande do Sul. É o caso do casal Jack e Angel, da família Velho Jack, e Gerard Souza, que resgatou mais de 150 animais de jet.
A NautiSpecial, que desenvolve produtos de limpeza biodegradáveis para barcos, vai doar 20% de todas as vendas realizadas no site para os Velejadores Solidários RS. O estaleiro pernambucano NX Boats colaborou financeiramente com o Instituto Cultural Floresta, que está atuando em várias ações nas enchentes.
A NTC Company, que tem sede no estado gaúcho, enviou plataformas flutuantes para os afetados na tragédia. Já a Kamell doou mercadorias para a manutenção de barcos que trabalhavam nos resgates no Rio Grande do Sul.
A Yamaha também contribuiu com roupas, motores de popa, óleo para os motores e hélices, além de transportar doações de terceiros. Diversas outras companhias do mercado náutico revelaram à reportagem que desenvolveram ações em prol dos gaúchos, mas preferiram não divulgá-las.
Campanha NÁUTICA + CUFA
O Grupo Náutica também entrou na corrente e uniu forças com a Central Única das Favelas (CUFA) para unir quem ama navegar com quem mais precisa de um barco nesse momento.
Caso você tenha um barco pequeno, ou conheça alguém que possua um e gostaria de ajudar, entre em contato com a CUFA pelo e-mail [email protected] ou pelo WhatsApp (11) 95958-2933.
Além da ajuda com embarcações, todos podem contribuir de qualquer lugar e com qualquer valor via PIX, através da chave [email protected]. O dinheiro arrecadado pela instituição é destinado a compra de itens essenciais, como mantimentos, água, produtos de higiene e colchões, por exemplo.
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