Atleta gaúcha abriu mão de seletiva olímpica para apoiar vítimas das enchentes
Prestes a ir para Paris 2024, Viviane Jungblut luta pelos atletas que perderam tudo no Rio Grande do Sul
O espírito olímpico é, acima de tudo, um sentimento de união e de solidariedade, que mostra o quanto as pessoas são iguais e capazes de deixar de lado o lema “vencer a qualquer custo”. Sendo assim, pode-se dizer que, nessa modalidade, a nadadora de águas abertas Viviane Jungblut, 27, já conquistou medalha de ouro.
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Nome garantido nas Olímpiadas de Paris, a atleta abriu mão de uma etapa essencial de sua preparação para os Jogos por um motivo nobre: ser voluntária nas trágicas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. Ao ver seu estado natal ficar debaixo d’água, Vivi — como também é conhecida — mudou suas prioridades imediatamente.
A seletiva Olímpica brasileira de natação aconteceria entre os dias 6 e 11 de maio, no Rio de Janeiro. No entanto, no mesmo período, grande parte do Rio Grande do Sul já enfrentava a maior enchente de sua história.
Com tamanha tragédia acontecendo tão perto, a nadadora — que vai à Paris na modalidade águas abertas –, abriu mão da seletiva, focou em ser voluntária e foi uma das principais vozes sobre as dificuldades enfrentadas pelos atletas gaúchos durante as enchentes.
Clube de Viviane Jungblut desde a infância e hoje uma das principais bases da natação brasileira, o Grêmio Náutico União (GNU) teve vários de seus atletas afetados com o desastre. Como os esportistas não tinham condições mentais e físicas de disputar a seletiva, correriam o risco de perder suas bolsas — o que, para muitos, é sua única fonte de renda.
Em entrevista à NÁUTICA, Viviane disse que eles buscaram apoio da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos para que os atletas afetados continuassem no esporte. Segundo ela, embora alguns competidores já tivessem passagens compradas para a seletiva, havia o receio de como a situação se resolveria para os demais.
A gente só estava pedindo para que eles tivessem um olhar um pouco especial para o nosso estado, nossa cidade, para que esses atletas tivessem condições de permanecer no esporte– explicou Viviane
O barulho de Viviane, junto a outros atletas, deu resultado. Para não prejudicar os competidores do GNU, a confederação emitiu um comunicado informando o reagendamento das provas exclusivamente para a equipe gaúcha.
Do pódio ao posto de voluntária
Enquanto o Rio Guaíba enchia a níveis assustadores, Viviane Jungblut viu a sede do clube Grêmio Náutico União, sua segunda casa desde os sete anos de idade, virar abrigo de centenas de pessoas que perderam tudo nas chuvas que assolavam o estado.
O choque foi ainda maior porque a atleta acabava de conquistar mais uma premiação quando tudo começou. Entre os dias 1 e 3 de maio, Viviane disputou a 2ª etapa do Campeonato Brasileiro de Águas Abertas da CBDA, em Itajaí (SC), terminando em primeiro lugar nas provas individual feminina e por equipes.
Foi bem difícil, um choque bem grande. Voltei da competição numa sexta-feira, e no sábado o clube já recebeu quase 300 pessoas– disse Viviane
Com o agravamento das enchentes, Viviane passou a dividir a rotina intensa de preparação para as Olímpiadas com o voluntariado no GNU, visando “ajudar o máximo de pessoas possível”.
“Muitos perderam tudo, desde atletas e pessoas que estavam treinando ali, do nosso lado, até os funcionários do clube. Estou lá desde pequenininha. Tem funcionários que estão lá desde que eu entrei. A gente está no convívio todo dia”, relatou à NÁUTICA.
Alguns nem conseguiram voltar para casa ainda — mesmo depois de mais de um mês. Então é realmente muito triste– lamenta Viviane
Vivi conta que tem conversado diretamente com alguns atletas abrigados no ginásio e entregou seus kits de natação para que eles pudessem treinar, buscando apoiar a permanência deles no esporte.
É um momento em que eles vão ter não uma fuga da realidade, mas um momento para tentar levantar um pouco o astral– explicou Viviane
Além de abrigar centenas de pessoas, o Grêmio Náutico União ofereceu alimentação, cuidados médicos, recreação para crianças e suporte psicológico, e ainda acolheu cerca de 20 animais. Segundo o clube, eles também cederam embarcações para resgatar mais de 500 pessoas ilhadas, em parceria com a Defesa Civil e da Brigada Militar.
Provando que o “união” não está apenas no nome, o GNU disponibiliza doações para combater os estragos causados pelas enchentes. É possível doar através da chave pix [email protected] ou entregando mantimentos nas unidades do clube — exceto na sede localizada na Ilha do Pavão.
Maratona de solidariedade
A maratona de Viviane Jungblut para ajudar a reconstruir o que a água levou não parou por aí. Neste momento, a nadadora, em parceria com outros atletas, está promovendo uma rifa solidária que vai sortear kits de natação autografados, entre outros prêmios, e terá renda revertida para ajudar vítimas das chuvas.
Até o momento da publicação desta matéria, restavam pouco menos de 15 dos 2000 bilhetes disponíveis, ao valor de R$ 5 cada.
As pessoas não podem menosprezar sua ajuda e acredito muito nisso. Cada um faz o que pode, o que está ao seu alcance– disse Vivi
Além da rifa, a atleta organizou uma vaquinha com renda destinada aos funcionários e atletas da natação do Grêmio Náutico União. A arrecadação soma mais de R$ 13 mil doados até agora.
Mente em Paris, coração no RS
Mesmo sem ter sua casa diretamente afetada pelas enchentes, Viviane viveu de perto as dores de enorme parte do povo gaúcho. Contudo, as águas de Paris lhe esperam no final de julho, e apesar do caos, a atleta teve que preparar seu corpo para as Olímpiadas, enquanto seu coração estava no Rio Grande do Sul.
No primeiro momento, estava bem ruim [treinar em meio às enchentes]. A gente chegava no mesmo lugar onde 300 pessoas haviam perdido tudo. Ficávamos muito comovidos, querendo ajudar– conta Viviane
Por mais forte que o preparo mental de um atleta possa ser, Vivi conta que foi difícil manter a cabeça 100% focada na preparação. Levantando forças, a “guria” viajou até o Velho Continente para competir na etapa da Itália da Copa do Mundo de águas abertas, realizada em 24 de maio.
Como se todo seu esforço fosse recompensado por Poseidon, Viviane teve seu melhor resultado entre as etapas e terminou em segundo lugar, em dobradinha brasileira com Ana Marcela Cunha, que levou ouro na disputa.
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Apesar do grande resultado nas águas abertas, a nadadora está com os pés no chão sobre suas expectativas para Paris. Segundo ela, a última prova serviu mais como “avaliação pessoal” e, embora não negue o grande objetivo na medalha, seu foco maior é outro.
“Meu principal objetivo é entregar o meu 100%. Às vezes a gente acaba não conseguindo, não está no melhor dia ou não é a melhor condição, e quando acaba a prova fica com aquele [pensamento] ‘e se eu tivesse me posicionado daquele jeito, se eu tivesse tomado essa escolha…’” revelou a atleta.
Ficando com a última das 13 vagas disponíveis para a maratona aquática, Viviane contou à NÁUTICA qual foi sua sensação quando soube que estaria competindo em Paris 2024: “Foi um alívio. Ver que toda essa dedicação e trabalho deu resultado faz tudo valer a pena”, disse Jungblut.
É uma felicidade não só minha, mas para toda equipe multidisciplinar que trabalha comigo há bastante tempo. Com certeza foi um grande alívio e uma grande felicidade!– finalizou Viviane.
Fica a torcida brasileira para que a atleta, que já brilha no pódio do espírito olímpico, volte de Paris 2024 ainda mais reconhecida — e, de preferência, com a medalha dourada.
Campanha NÁUTICA + CUFA
O Grupo Náutica também entrou na corrente e uniu forças com a Central Única das Favelas (CUFA) para unir quem ama navegar com quem mais precisa de um barco nesse momento.
Caso você tenha um barco pequeno, ou conheça alguém que possua um e gostaria de ajudar, entre em contato com a CUFA pelo e-mail [email protected] ou pelo WhatsApp (11) 95958-2933.
Além da ajuda com embarcações, todos podem contribuir de qualquer lugar e com qualquer valor via PIX, através da chave [email protected]. O dinheiro arrecadado pela instituição é destinado a compra de itens essenciais, como mantimentos, água, produtos de higiene e colchões, por exemplo.
Por Áleff Willian, sob supervisão da jornalista Denise de Almeida
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