Das cinzas nasce vida: barcos incendiados viram santuário ecológico para espécies marinhas
Navios naufragados após a Primeira Guerra Mundial tornaram-se um dos ecossistemas artificiais mais ricos do Atlântico


Tinha tudo para ser uma tragédia: a empresa americana Western Marine & Salvage, em 1929, incendiou 169 navios a vapor da Primeira Guerra Mundial em Mallows Bay, uma enseada rasa do rio Potomac, nos Estados Unidos. O que eles não esperavam, porém, é que as cinzas virariam fontes de vida marinha — ou melhor dizendo, um santuário ecológico.
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Batizado de Santuário Marinho Nacional Mallows Bay – Rio Potomac, a região abriga hoje um dos ecossistemas artificiais mais ricos do Atlântico, onde a vida selvagem prospera entre destroços de embarcações calculadamente incendiadas que, à época, provocaram um cenário de destruição.


A “Frota Fantasma de Mallows Bay”, como ficou conhecida, reúne hoje os destroços de 147 barcos que, no século passado, foram desmanchados após a Primeira Guerra Mundial. Eles pertenciam a chamada “Frota de Emergência”, navios construídos às pressas para cobrir o transporte de suprimentos e tropas.


No entanto, com o passar do tempo, as sobras dos barcos condenados começaram a formar um mosaico de biodiversidade. Dos navios enferrujados cresceram algas, que se espalharam entre vigas submersas. Ruínas viraram ninhos e uma espiral positiva tomou conta do local.


“Em muitos sentidos, esse evento foi catastrófico. Mas a vida é tão forte que pega algo assim e transforma em seu próprio habitat”, avalia David Johnston, professor na Universidade de Duke, em entrevista à revista Scientific American.
Assim, o que poderia ser um cemitério de escombros tornou-se um laboratório a céu aberto, onde a história e a ecologia se entrelaçam.
Uma nova vida em meio ao velho
Por mais poético que possa parecer barcos incendiados virando abrigo para a vida na água, essa dinâmica já é bem conhecida pelos especialistas na área. Chamadas de “recifes artificiais”, as estruturas duras e estáveis logo tornam-se abrigos seguros e micro-habitats para espécies aquáticas.


Em Mallows Bay, o processo foi intensificado pela dinâmica natural das marés. Acontece que, a cada enchente, os restos dos navios quebram a velocidade da água. Essa desaceleração faz com que a lama fina (silte) e as partículas em suspensão se depositem e acumulem dentro e em torno dos cascos dos barcos.


Com o passar dos anos, o silte acumulado vira um substrato estável e fértil. Logo, a vida terrestre brota com as sementes trazidas por aves e mamíferos. O solo germina e os cascos das embarcações se transformam em ilhas de vegetação no meio do rio — como se fosse um grande vaso de planta.
Você cria a estrutura, os animais a utilizam e, nesse processo, trazem sementes que geram ainda mais vida– resume Johnston
Isso porque o santuário ecológico, que possui 47 quilômetros quadrados — maior que a cidade de Balneário Camboriú (SC), por exemplo — , poderia ser maior. Afinal, após o desmanche, muitos navios se perderam em deslocamentos fluviais ou foram soterrados por sedimentos.
Reconhecimento tardio
Tudo o que envolve o santuário ecológico de Mallow Bays é acidental, assim como a sua descoberta. Johnston, que também comanda o Laboratório de Robótica Marinha e Sensoriamento Remoto da Universidade de Duke, notou junto a sua equipe um padrão intrigante nas águas do Potomac, com dezenas de formas semelhantes a cascos de navios.


Sem perder tempo, o biólogo mandou três drones para a região: um para mapear a frota, outra para focar em barcos individuais e a última para registrar vídeos em alta resolução. O resultado? Uma série de mapas compostos que entregaram a dimensão exata dos escombros.


Três anos depois, em 2019, o local foi designado oficialmente pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) e o Departamento de Recursos Naturais do Estado de Maryland como um Santuário Marinho Nacional, após a comprovação de que ele reunia um valor histórico, cultural e ambiental.
Esse trabalho nos dá uma linha de base para estudar como cada naufrágio evolui em termos de biodiversidade e função ecológica em meio às mudanças climáticas– explica o cientista
O próximo passo é descobrir o que mais essa frota esconde, como, por exemplo, uma variedade de epifauna (comunidade de animais que vivem sobre a superfície de um substrato em ambientes aquáticos) vivendo sobre os destroços dos navios, cenário esse que é bem provável.
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