Mulher a bordo: marinheiras revelam rotina e desafios da profissão
NÁUTICA conversou com profissionais que desbravam área dominada por homens e ainda inspiram familiares
A reação de quem escuta Juliana Gomes, 32, dizer que é marinheira é quase sempre a mesma: espanto e curiosidade. Não é difícil adivinhar o porquê: dominada por homens desde que os primeiros barcos da história ganharam as águas, a profissão incute no imaginário popular a figura masculina, retratada até mesmo em personagens como o famoso marinheiro Popeye.
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Assim como em terra, no mar as mulheres também foram abrindo caminhos e conquistando espaços no que diz respeito ao comando e cuidado com as embarcações. Em homenagem à profissão, celebra-se todo 25 de junho o Dia Internacional do Marinheiro.
Em celebração à data, nossa reportagem foi procurar justamente mulheres que ocupam este posto. “As pessoas ainda se surpreendem muito ao ver uma mulher trabalhando como marinheira”, relata Juliana.
Se por um lado o protagonismo feminino é motivo de orgulho, por outro deixa exposta a necessidade de cada vez mais mulheres abraçarem a carreira. “Não é fácil aceitar uma mulher a bordo. Falo por mim, tem muito preconceito. Já tive problemas em uma embarcação”, conta Juliana.
Desafios a bordo
Juliana iniciou a carreira de marinheira no final de 2020 e, pouco depois, mudou de Bertioga, no litoral paulista, para Balneário Camboriú, em Santa Catarina, onde permaneceu por um ano e meio. Em uma das saídas ao mar, o proprietário do barco passou a insistir para que ela “se divertisse”, insinuando que ela começasse a dançar.
Falei que não, meu papel é de auxiliar de marinheiro e não passa disso. Não danço nem por livre e espontânea vontade, quem dirá para bajular alguém– relembra Juliana
“Tive problemas na empresa depois disso. Ficou um clima chato. Acabei saindo de lá por conta disso. Se eu quisesse ganhar a vida de outro modo, ganharia”, conta.
Dona de personalidade forte, Juliana afirma que só permanece em locais onde é respeitada. Isso implica em, muitas vezes, precisar estabelecer limites bem claros a bordo. “Tem muita falação, muita conversinha. Você tem que se impor, não pode dar brecha”.
É por isso que, durante o horário de trabalho, conversa com ela é só sobre barcos. Dar abertura a outros assuntos ou aproximações? Nem pensar. “Falam que eu sou muito fechada, mas é uma maneira de proteção que eu tenho”, explica.
Saudade e inspiração para a família
A marinheira Beatriz Ballardin, 61, diz que foi chamada incontáveis vezes de “corajosa” por sair da zona de conforto e, literalmente, embarcar na profissão quinze anos atrás, aos 46 anos de idade. A resposta para isso sempre foi: “você sabe o significado do meu nome?”
Além de “a que faz alguém feliz”, Beatriz significa “viajante” ou “peregrina”, substantivos essenciais para quem, por amor à profissão, enfrenta outro grande desafio: a distância dos familiares em terra firme.
Ela conta que, para viver a profissão de marinheiro, é preciso saber administrar a ausência da família e a possibilidade de perder datas comemorativas, como aniversários, nascimentos e festas de fim de ano.
A boa notícia é que os entes queridos sempre a apoiaram, incluindo o filho de 35 anos. “Ele fala ‘a mãe é uma cigana aventureira’”, relembra Beatriz.
Para Juliana, que tem duas filhas — de 9 e 15 anos — o dia a dia acaba sendo mais complexo, ainda mais porque raramente consegue passar o fim de semana com elas. O que a comove é ver suas meninas orgulhosas de sua profissão.
Elas acham o máximo ter uma mãe marinheira e é isso que me motiva. Querer ser a mãe mais incrível tanto dentro de casa, quanto fora– Juliana Gomes
Um dos momentos que mais marcou Juliana foi quando a professora da filha mais velha lhe confidenciou, durante uma reunião escolar, que a jovem sempre falava com muito orgulho da mãe, por conta da profissão. “Até fiquei emocionada, é raro ver adolescente elogiando”, revela.
Profissão marinheiro
A paixão de Beatriz Ballardin pelo mar começou cedo, antes mesmo de vê-lo pela primeira vez — por volta dos 17 anos de idade. Natural de Caxias do Sul (RS), a gaúcha sequer consegue explicar como esse sentimento nasceu, mas garante que não tem mais fim.
Não tem mais viver longe da água. Vou para casa por vinte dias e a pele começa a secar. Sinto falta do balanço do barco, das viagens, das pessoas. A gente começa a sentir mais falta do dia a dia do que da própria família– brinca Beatriz
Há nove anos Beatriz trabalha em uma Azimut 83 e, por lá, é praticamente uma ‘faz tudo’. Além de lavar e polir a parte externa do barco, cuida da casa de máquinas, deixa os interiores impecáveis e ainda oferece seus dotes culinários, adquiridos na formação em gastronomia. “Satisfação em bem servir, essa é a frase. Quando o patrão vem, eu faço tudo, não reclamo. Acho o máximo ser útil”, aponta.
Beatriz só não trabalha mais com pilotagem — área que deixou para trás quando começou na carreira — mas acumula conhecimentos sobre ventos, clima, astronomia e outras áreas fundamentais ao bom marinheiro.
A gaúcha, inclusive, é exemplo para Juliana, que sonha em se tornar capitã. Assim como a colega, já fez de tudo um pouco, desde atracação e pilotagem, até o cabelo do patrão.
Por esses e outros motivos, as duas defendem a regulamentação da profissão de marinheiro de esporte e lazer. Como a área não é reconhecida, quem atua nela costuma ser registrado como empregado doméstico.
Se colocar na ponta do lápis, você é responsável pelo barco, por quem está a bordo, é piloto, mecânico, eletricista, cozinheiro… exerce muitas funções e não tem a devida valorização– comenta Juliana
Apesar dos obstáculos, nada tira do coração de ambas as marinheiras que a vida no mar vale a pena. “Quando era mais nova, praticava surf e sentia uma paz enorme. Agora descobri essa mesma paz navegando”, destaca Juliana.
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