Casal que mora em veleiro conserta mais de 300 barcos no Rio Grande do Sul

Jack e Angel, da família Velho Jack, passaram 20 dias em Porto Alegre em intenso trabalho de manutenção para garantir a continuidade dos resgates e entregas de donativos

01/06/2024
Foto: Arquivo Pessoal

Os primeiros raios de sol nas manhãs gélidas do Rio Grande do Sul eram a deixa para Jackson Alves e Angelita Rumor começarem a se preparar para mais um dia de trabalho no conserto de barcos destinados a resgatar as vítimas da enchente histórica que abalou o estado.

Conhecidos simplesmente como Jack e Angel, os dois contribuíram para o ajuste de mais de 300 embarcações ao longo dos 20 dias que permaneceram em terras gaúchas como voluntários. No meio náutico, também são lembrados como o casal da família Velho Jack, nome do negócio de avaliação técnica e venda de veleiros que abriram com o filho Kurt Dali.

Além de consertos, Jack fez o resgate de três barcos antes que naufragassem. Foto: Arquivo Pessoal

Movida pelo desejo de fazer a diferença em meio à tragédia, a dupla chegava cedo à base de socorros montada no Iate Clube Guaíba, às margens do famoso rio de Porto Alegre. A entrada tinha horário, mas a saída não: às vezes, a missão começava às 7h e só findava às 22h, quando a noite já corria solta.

 

As longas horas com ferramentas nas mãos, no entanto, mostraram o quanto os navegadores voluntários precisavam de ajuda. Devido à quantidade de árvores submersas e detritos nas águas, não demorava até um hélice quebrar ou o motor parar de funcionar. Era nessa hora de desespero que as mãos de Jack operavam um incontestável milagre nos barcos.

Uma embarcação ajudava, em uma média diária, cerca de 150 pessoas. Cada uma que a gente devolvia para a água era uma vitória– afirma ele, em entrevista à NÁUTICA

Mais do que fornecer auxílio técnico, o casal montou um verdadeiro centro de manutenção em meio ao caos do desastre climático. A logística improvisada foi tão eficaz que Jack e Angel sequer têm ideia de como conseguiram tantas peças, ferramentas e donativos — incluindo produtos levados de helicóptero, diretamente a seus cuidados.  A solidariedade, aqui, provou novamente seu potencial.

Criatividade e garra

Quem pensa que Jack dispunha de toda a infraestrutura para realizar seu trabalho, mal imagina que as coisas foram acontecendo na base do improviso. A sorte é que os anos de experiência em manutenção e o fato de viver com Angel em um veleiro o ajudaram a buscar saídas alternativas.

Quase todos os reparos eram uma luta. Geralmente dentro da água suja, sem ferramentas adequadas, bancada… A gente teve que adaptar muitas coisas e usar a criatividade– explica

Sem solução fácil, vários barcos recebiam peças que não eram específicas para o modelo, mas que resolviam, ao menos temporariamente, o problema. E veja só: até peças de motos e carros foram aproveitadas nessa roda de substituições.

Ponto de manutenção do casal era encontrado pelos voluntários necessitados graças à divulgação via grupo de WhatsApp dos Velejadores Solidários. Foto: Arquivo Pessoal

Por outro lado, havia donativos chegando por terra, água e ar por conta da iniciativa que Jack e Angel tiveram antes de pisarem em Porto Alegre. Pelas redes sociais, deram início a uma campanha de arrecadação de fundos, focada na compra de materiais. O resultado foi tão positivo que eles conseguiram passar em lojas em cidades próximas à capital do Rio Grande do Sul e garantir o conserto dos primeiros barcos.

 

Mas nem nos melhores sonhos a dupla imaginaria a força-tarefa que se formou. Peças, motores, ferramentas e outros itens chegavam para eles aos montes, muitos com pit stop na residência de um casal com o qual fizeram amizade — e que disponibilizou a residência, em Florianópolis, para receber as doações.

 

Para total espanto de Jack e Angel, um helicóptero saiu de São Paulo destinado a levar mais peças para a dupla. Do dia para a noite, os voluntários da região providenciaram um heliponto no meio de Porto Alegre e garantiram a mercadoria.

Nossos amigos recebiam toneladas de material e tudo ia chegando para a gente lá. Vinham pessoas que nunca tínhamos visto na vida com caixas que alguém encaminhou. A gente não sabe nem de onde veio tanta coisa– aponta Jack

Ele relata que, quando faltava algum item importante no meio do dia, bastava pedir pelas redes sociais e, na manhã seguinte, o objeto já estava a postos. Tal foi a proporção que a corrente do bem tomou que Angel ficou focada em organizar a logística de entregas, envios e contatos com quem queria participar.

Casal também ajudou vítimas de enchente em Paraty; na época, o carro de Angel foi levado pela enxurrada. Foto: Arquivo Pessoal

Nessa onda do bem, amigos do casal fizeram rifas, sortearam aulas de vela e doaram cursos, tudo para ajudá-los a dar continuidade ao trabalho.

Foi por essa força e vontade de ajudar que a gente deu nosso máximo. Para fazer jus à quantidade de apoio que recebemos– destaca

Na cara e na coragem

É impossível para Jack conter a emoção que escorre pelos olhos ao relembrar as vivências acumuladas ao longo do tempo que passou consertando barcos com a esposa no Rio Grande do Sul.

 

Além do cenário de guerra que se revelava em Porto Alegre, o casal contou com a força de vários voluntários locais, incluindo dois técnicos em manutenção que perderam tudo na enchente. “Estavam lá com a caixa de ferramentas e a vontade. De domingo a domingo”, relata.

Situação no RS. Foto: Arquivo Pessoal

Apesar da prova que enfrentavam, os gaúchos trabalhavam sem parar e, não raro, com um sorriso no rosto. A gratidão pelos resgates era demonstrada, muitas vezes, com um alimento servido ou um docinho entregue a quem ajudava — incluindo ao casal Velho Jack.

 

O mais irônico é que a dupla sequer sabia, no começo da empreitada, se conseguiria chegar à região. Residentes de Paraty, Jack e Angel se dirigiam à Florianópolis em viagem a trabalho quando descobriram, por meio de conhecidos, sobre a dificuldade em conseguir manutenção de barcos no Rio Grande do Sul.

 

“Pensamos em mandar algum tipo de ajuda, mas vendo tantas postagens não conseguimos deixar de ir para lá”, conta ele.

Além dos consertos e logística, Jack e Angel ajudaram em outras frentes, como triagem de roupas e descarregamento de caminhões. Foto: Arquivo Pessoal

Sem saber por onde começar, o casal recorreu às redes sociais e logo o esquema da viagem foi montado. Eles foram de ônibus até Florianópolis e foram recebidos, de madrugada, pelo mesmo casal que disponibilizou a residência para receber doações.

 

O único detalhe é que Jack e Angel e a dupla nem sequer se conheciam. Mesmo assim, toparam a acolhida e, no dia seguinte, pegaram carona com os novos amigos até a cidade de Imbé, de onde seguiram até Porto Alegre em carro da prefeitura.

 

Diante de tantas incertezas no começo da viagem, nenhum dos dois levou roupa suficiente para o tempo em que permaneceram no estado, nem a garantia de que conseguiram fazer os consertos de barcos. Mas ao chegarem na capital, a vida foi se ajeitando conforme a necessidade.

Fomos para fazer o que fosse possível e conseguimos fazer quase o impossível. Isso é uma das coisas que mais me deixa grato– emociona-se

O trabalho continua

Profundamente imersos no trabalho, o casal evitou ver notícias tristes que aumentassem a carga emocional com a qual lidavam nos dias de trabalho. Mas agora que chegaram a Curitiba — e puderam se recuperar do resfriado e pneumonia que pegaram por conta do frio e chuva — perceberam o quanto a união dos brasileiros fez a diferença. É por isso que continuarão na ativa.

Casal documentou todo o período de voluntariado no Instagram. Foto: Arquivo Pessoal

“Começou a segunda fase, que é a limpeza, então compramos luva, macacão, máquinas de alta pressão para lavagem, carrinho de mão para tirar a lama das casas”, enumera Jack.

 

Todo o dinheiro arrecadado continuará sendo investido em materiais de necessidade para o povo gaúcho, mas o casal garante que a jornada no Rio Grande do Sul não termina por aí. A expectativa é de que quando as pessoas recuperarem seus lares, eles retornem ao estado para realizar instalações elétricas nas residências.

Dessa vez, tentaremos levar mais gente. Como ser humano, precisamos deixar as diferenças de lado e entender a dor do outro. Não dá para parar, nem para esquecer– finaliza Jack

Comunidade náutica unida em solidariedade

Além das ações da família Velho Jack, outras empresas se mobilizaram para ajudar o Rio Grande do Sul. A NautiSpecial, que desenvolve produtos de limpeza biodegradáveis para barcos, vai doar 20% de todas as vendas realizadas no site para os Velejadores Solidários RS. O estaleiro pernambucano NX Boats colaborou financeiramente com o Instituto Cultural Floresta, que está atuando em várias ações nas enchentes.

 

NTC Company, que tem sede no estado gaúcho, enviou plataformas flutuantes para os afetados na tragédia. Já a Kamell doou mercadorias para a manutenção de barcos que trabalhavam nos resgates no Rio Grande do Sul.

 

A Yamaha também contribuiu com roupas, motores de popa, óleo para os motores e hélices, além de transportar doações de terceiros. Diversas outras companhias do mercado náutico revelaram à reportagem que desenvolveram ações em prol dos gaúchos, mas preferiram não divulgá-las.

Campanha NÁUTICA + CUFA

O Grupo Náutica também entrou na corrente e uniu forças com a Central Única das Favelas (CUFA) para unir quem ama navegar com quem mais precisa de um barco nesse momento.

 

Caso você tenha um barco pequeno, ou conheça alguém que possua um e gostaria de ajudar, entre em contato com a CUFA pelo e-mail [email protected] ou pelo WhatsApp (11) 95958-2933.

 

Além da ajuda com embarcações, todos podem contribuir de qualquer lugar e com qualquer valor via PIX, através da chave [email protected]. O dinheiro arrecadado pela instituição é destinado a compra de itens essenciais, como mantimentos, água, produtos de higiene e colchões, por exemplo.

 

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