Lixo no fundo do oceano brasileiro atrapalha pesquisa sobre diversidade de peixes
Cientistas da USP encontraram resíduos entre 200 e 1.500 metros de profundidade em São Paulo e Santa Catarina
O fundo do oceano brasileiro está se tornando, silenciosamente, uma enorme lixeira. Pesquisadores do Instituo Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP) encontraram lixo entre 200 e 1.500 metros de profundidade, a cerca de 200 km de distância da costa de São Paulo e Santa Catarina.
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O resultado foi publicado no Marine Pollution Bulletin e evidencia o quão grave é o problema. Afinal, o intuito inicial da pesquisa sequer era descobrir sobre a poluição nas águas. De início, a ideia seria estudar a diversidade dos peixes do mar profundo no Brasil — mas os lixos não deixaram.
Na ocasião, foram encontrados durante expedições do projeto Deep-Ocean, uma enorme quantidade de lixo coletado junto aos animais. Em vez de apenas puxá-los, a rede frequentemente vinha com embalagens de alimentos, sacolas plásticas, garrafas, latas e utensílios de pesca.
Como era de se imaginar, vários desses resíduos são altamente prejudiciais e tóxicos ao meio-ambiente, como tintas para barcos e latas de óleo para motor. Assim, os peixes que são uma das principais opções de alimentação saudável, podem acabar trazendo contaminantes ao corpo humano — sem importar o tamanho da profundidade que ele foi pescado.
Para ter noção do tamanho do problema, foram selecionados 31 locais para a coleta de peixes — 16 a sudeste de Ilhabela (SP) e 15 próximos a Florianópolis (SC). De todas as amostras, apenas três não vieram acompanhados de lixo. Inclusive, há indícios de que parte do material está no mar há décadas.
Tinha uma embalagem de coco ralado cuja data de fabricação era de 1996. Isso não significa que o material foi jogado naquela data, mas pode ser uma estimativa– Flávia Tiemi Masumoto, oceanógrafa que liderou a pesquisa
Situação grave
Segundo o estudo, materiais plásticos foram encontrados em todos os locais pesquisados e representam mais da metade dos resíduos. Os metais ficaram em segundo lugar com 14% do total; os têxteis com 11%; vidro com 7% e tintas de embarcações com 6%.
Além disso, os vidros e metais são os que mais pesam nessa equação, a frente de concreto e têxteis. Sendo assim, tamanho lixo no oceano fizeram com que os pesquisadores fizessem uma triagem e separação dos resíduos sólidos — pois vale lembrar que a premissa era estudar peixes.
Para mim, que estava na graduação, foi bem chocante– Marcelo Roberto Souto de Melo, supervisor da pesquisa
De acordo com o estudo, a situação é ainda mais grave em São Paulo, se comparado com Santa Catarina. Isso provavelmente ocorre pela maior quantidade de pessoas que vivem nas costas paulistas e pelo maior volume de navios cargueiros que trafegam no maior porto da América Latina, o Porto de Santos.
A procura de uma saída
Seja com o lixo acumulado na superfície ou até mesmo no fundo do mar, os peixes estão encurralados por poluição. Afinal, eles passam grande parte do tempo nas profundidades, mas sobem à superfície em busca de comida — e nem sempre conseguem.
Assim, os animais consomem os lixos no oceano que têm as origens mais diversas, como descartes diretos e transportes como correntes marítimas. Entre as maiores preocupações estão as tintas de embarcações, pois contêm substâncias tóxicas aos seres que habitam nos mares.
Outro impacto é na presença de microplásticos no oceano, que podem resultar do processo de fragmentação de pedaços maiores de plásticos e serem ingeridos pelos organismos. Ou seja, não é difícil que os peixes consumidos comercialmente estejam com esse material no corpo.
Nem mesmo a lei que proíbe a descarga de substâncias nocivas ou perigosas no mar brasileiro, criada em 2000, é capaz de frear a poluição descontrolada. Sendo assim, tem uma saída para limpar o lixo do oceano brasileiro? Segundo Marcelo Roberto Souto de Melo, sim.
Ele defende a criação de uma política de fiscalização das empresas que operam no mar, em busca de treinamento para conscientização das equipes a bordo. Mas se a esperança é fazer um mutirão para limpar todo o lixo do oceano, o supervisor da pesquisa não se empolga.
Recolher esse lixo não é viável tanto do ponto de vista econômico quanto logístico– Marcelo Roberto Souto de Melo
O descobridor de descobertas
O navio de pesquisa da USP Alpha Crucis foi responsável por mais um avanço científico no país. Inaugurado em 30 de maio de 2012, a principal pesquisa oceanográfica do Brasil leva o nome da estrela mais brilhante da constelação do Cruzeiro do Sul.
Com 209 pés (64 metros de comprimento) e 11 metros de largura, o navio opera com tripulação de 19 pessoas e 21 pesquisadores, além de ter capacidade para deslocar 972 toneladas. E, obviamente, conta com instrumentos de pesquisa e navegação de ponta.
Sua autonomia de até 70 dias — segundo a USP — permite viagens transoceânicas. Além disso, o navio de concepção moderna e equipamentos tecnológicos conta com dois motores e um sistema responsável por manter a embarcação parada em alto-mar, que colabora com estudos mais precisos sobre o ambiente marinho.
Por Áleff Willian, sob supervisão da jornalista Denise de Almeida
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